segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Crônicas de benzimentos
AS MÃOS QUE ABENÇOAM
Por: Priscila Gorzoni*

Esse texto é uma homenagem a Dona Dolores e a todas as benzedeiras que já não estão mais entre nós, mas que me ensinaram muito....




-Pronto você já está bem!

Finalizou Dona Dolores, 96 anos, benzedeira espanhola famosa dos arredores do bairro santo Antonio. Depois de rezar, pedir que eu me sentasse em sua frente num pequeno banquinho, ela me olhou detalhadamente e disse:


-Você precisa de reza, pega quebrante fácil....

Não titubiei há muito tinha ouvido falar de Dona Dolores, espanhola sacudida e uma das mais antigas moradoras de São Caetano. Eu a imaginava mais gasta pelo tempo, mas me deparei com uma bela senhora de idade, olhinhos brilhantes em tom de pequenas gotas de um azul puro tecendo em suas mãos o terço gasto de reza. Dona Dolores é daquelas que não deixa de rezar um dia sequer, um ministro vem uma vez por semana em sal casa lhe dar a comunhão e quando não está benzendo, está rezando. Vai rezando em um som quase apagado e até se esquece de minha presença na sala de estar....


-Ave Maria cheia de graça, senhor......

Do outro lado está sua filha Terezinha, rosto de educadora e atenção redobrada em Dona Dolores. Ela foi a filha que restou ao lado da mãe, quase centenária, os outros irmãos estão espalhados pelo estado de São Paulo. Mas Terezinha ficou.....Resolveu cuidar da pequena velhinha e é feliz assim. O silêncio da sala é apenas interrompido pelo barulho dos carros lá fora.

Depois de terminar a ladainha Dona Dolores resolve falar, contar sua história que vem antiga, lá atrás quando os imigrantes espanhóis aqui chegaram de navios. Ela então era uma menina animada cercada dos mimos do pai. Antes de iniciar a narrativa, que prometia ser longa, Dona Dolores com a fala mansa e lúcida pede a filha:

-Feche um pouco a janela, assim o sol não entra tão forte.

No meio de suas palavras percebo o leve sotaque espanhol. Algo que apesar da passagem do tempo ficou na memória.

-Nasci na Espanha, mas vim para cá com 10 anos e aqui morei em várias cidades do interior paulista.

Para ajudar na narrativa da mãe, Terezinha completa a frase já muitas vezes ouvida entre a família. A velhinha parece pensar entre uma palavra, a outra e escolhe as frases. Animada Terezinha exclama:

-Finalmente vão escrever sobre a vida de Mamãe, já não era tarde....

Depois retoma a postura e continua emendando as frases de Dona Dolores. Que em tons lentos continua a narrativa.

-Meu avô não encontrava trabalho lá, então disse que tentaria aqui. Viemos juntos porque éramos muito unidos.

A partir daí a vida dessa espanhola mudaria radicalmente. Acostumada com a vida na roça e comida espanhola estranhou tudo. Por alguns momentos ela para a vista no ar e pareceu pescar algumas lembranças preciosas esquecidas pelo tempo. Após alguns minutos, recordou e em um sobressalto desandou a falar novamente:

-Foi uma vida complicada. Quando chegamos da Espanha a gente não entendia ninguém e estranhávamos muito a comida brasileira. Minha avó não queria comer o arroz, achava muito estranho tantos grãos juntos e sem gosto. Mas com o tempo teve que se acostumar.
Esperei Dona Dolores respirar entre uma palavra e outra, mas ainda ansiosa por saber sobre os seus benzimentos, não parei diante do caminhão barulhento para elaborar a pergunta. Mal terminei e ela já foi contando a sua trajetória de benzedeira, mas foi interrompida pela filha:

-Entrem, minha mãe já vai atender.

Mãe e menino entram na sala e me olham com um olhar atento, esperando uma solução para o problema de saúde. Rafael ainda no colo da mãe parece assustado, mas é conduzido a uma das poltroninhas da sala. Ele senta-se e fica olhando para Dona Dolores mexendo no terço. A mãe espera a benzedeira acabar de colocar o terço no colo para pedir que a benzedeira reze por seu menino.
-Ele não pára de chorar e teve febre a noite toda.

Dona Dolores olha a criança, tira o terço do colo e começa a rezar em suas costas. Faz o sinal da cruz diversas vezes e finalmente pousa os dedos sobre sua testa. Terminada a reza explica:

-É preciso vir mais três vezes senão o benzimento não dá certo.
Logo que termina começa a bocejar, mas isso logo sai, porque ela sempre está rezando.

-Graças a Deus, nada de ruim fica em mim.

Mãe e filho se levantam e é clara a mudança de Rafael. Seu semblante exibe uma expressão mais tranqüila e o soluço silenciou. 

A mãe se despede de Dona Dolores prometendo sua volta na próxima semana para dar continuidade ao tratamento. Antes deles sairem Dona Dolores explicou:


-Podem vir qualquer dia menos nas sextas e dias santos.

Nas sextas-feiras Dona Dolores ensina quem pretende seguir o seu legado, afinal a tradição precisa continuar.....



Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni


(ESSE TEXTO NÃO PODE SER COPIADO SEM OS DEVIDOS CRÉDITOS DE AUTORIA, CONFORME A LEGISLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS LEI 9610, de 19 de fevereiro de 1998, "Dos Direitos Morais do Autor", Artigo 24, Inciso II. POR FAVOR, NÃO COPIEM, COMPARTILHEM O LINK. OBRIGADA)

Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni





As aventuras de negão...
Por: Priscila Gorzoni*

Esse texto é dedicado a todos os animais que vivem nas nossas ruas, vagando e tentando sobreviver nessa selva de pedra.

Se ver um animal abandonado dê assistência...seja humano.




“A grandeza de uma nação pode ser julgada pela forma que seus animais são tratados”
                                                                                                                        GANDHI

            Mudei o meu trajeto diário até o trabalho só para ver o Negão, uma mistura de pequinês e sem raça definida. Eu estava preocupada com Negão, imaginava que ele podia ser mais um cachorro de rua. Por sorte, descobri que não era.
A primeira vez que o vi, ele sacolejava o pequeno corpo peludo pela Rua. Oswaldo Cruz, entre um carro e outro. Fiquei preocupada, mas Negão já estava longe, não dava tempo de alcançá-lo, atravessando entre um carro e outro e por sorte, todos esperando o pequeno cãozinho atravessar a rua.
Negão, como todos os cachorros, é de uma inteligência fora do comum. Inteligência que ainda tira o sono de vários pesquisadores especializados no assunto. Eu nunca duvidei da inteligência dos animais.
            Já faz mais de sete meses que acompanho Negão, fui em uma destas minhas observações que descobri Negão tem morada e dono. Quem cuida dele são os funcionários do estacionamento que fica na Avenida Amazonas. Ele é bem cuidado, gordinho e pelo seu andar, já tem certa idade.
            Um dia, voltando de uma palestra às 21 horas o vi perambulando pelos arredores do jardim. Ele ia longe, andar lento, balançado, feliz. Caia uma chuvinha fina e fria e Negão parecia não se importar com o tempo, o frio e a chuvinha. Quando vi ele sumiu na esquina, é provável que tenha voltado para a sua morada.
            Preocupada perguntei para um guarda sobre o cachorrinho. Ele disse que o cachorro era do dono do estacionamento e que todos os moradores ajudavam a cuidar dele. Fiquei mais aliviada. Alguns dias depois fiz contato com o pessoal da Associação Protetora dos Animais de São Caetano e eles me informaram que Negão era do estacionamento e fazia visitas frequentes ao veterinário.
            Ele me pareceu bem, apesar dos pelos emaranhados.
            Nunca vi o Negão bravo, só uma vez, ele latia bravo para um bêbado que passava na sua calçada. Neste dia Negão mostrou os pequenos dentinhos e avançou aos brandos sobre o invasor.
            Em outra manhã, ele voltava de seu passeio matinal, em passos lentos e parou exatamente ao meu lado para atravessar a Avenida Amazonas. Eu olhei para ele decidida a atravessá-lo. Ele me olhou, parecia me conhecer e então eu o chamei:
-Vem, vem!
            Ele me olhou um pouco desconfiado, uma desconfiança que considerei importante para os animais, já que infelizmente, os seres humanos não são tão confiáveis.
            Hoje novamente mudei o meu trajeto, mas não vi Negão...ele devia estar fazendo o seu passeio matinal.....
Mas uma coisa é certa, o dia que vejo Negão, é um dia mais feliz, muito mais feliz.

*É jornalista e pesquisadora formada pela Universidade Metodista, em ciências sociais pela USP e Direito pela Universidade Mackenzie, tem pós graduação latu senso em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e atualmente faz mestrado em história, com um projeto de antropologia histórica pela PUC de São Paulo. Como jornalista escreve para as revistas National Geographic Brasil da editora abril, História em Curso da editora minuano.



A população do Núcleo Colonial em 1877 Por: Priscila Gorzoni  Você sabia? Em 1888 já havia no Núcleo Colonial (primeira formação de...