segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Lembranças do Cine Vitória e dos docinhos de Tio Vicente
 Por: Priscila Gorzoni*




Andar pelas ruas do centro de São Caetano é navegar pelas memórias do tempo. Poucos locais guardam lembranças do que foram em nossa infância, o que é uma pena. Mas alguns locais nos marcaram tanto que ainda conseguimos fechar os olhos e vê-los exatamente como eram nas décadas passadas. Um desses locais é um grande prédio, que fica entre os cruzamentos das ruas. Senador Roberto Simonsen e a Rua. Baraldi. Esse prédio que já foi Igreja, bingo e uma famosa casa de shows, um dia acomodou o Cine Vitória, que ainda ocupa o imaginário de muitos moradores da década de 1980.

Olhando para esse prédio hoje, que apenas lembra o Cinema pela localização, os ladrilhos escuros e as grande portas centrais me recordo da primeira vez que fui ao cinema.

Era então uma sessão das 14 horas, onde o famoso matinê de domingo exibia em primeira mão o filme: Marcelino pão e vinho. Lá fui eu com minha irmã e mãe comprar o bilhete de entrada no Cine Vitória. Ele era o principal cinema de São Caetano, por isso vivia com longas filas.

Majestoso bem no centro da cidade, o Vitória vivia cheio de gente e nas matinês lotado de crianças barulhentes e comilonas.

Depois desse dia em que entrei na sala de exibição e vi uma enorme sala cheia de cadeiras, nunca mais deixei de visitar o cinema, virei fã. Se passaram os meses, os anos e então foi a vez do ET, um filme muito concorrido que para pegar um bom lugar era preciso chegar bem cedo e enfrentar a fila na porta.

Mesmo quando não tinha filme para assistir eu gostava de dar uma passada na frente do Vitória e ver os cartazes com as próximas exibições.

Para quem não sabe, o Cine Vitória recebeu esse nome justamente em homenagem ao seu criador Vittorio Dal´ Mas, que chegou ao município aos 12 anos e tornou-se um grande empresário. Ele tinha o sonho de construir um grande edifício em São Caetano, mas só concretizou isso após a autonomia político administrativa.

Em 1949 foram feitos estudos e projetos do edifício e em 50 iniciou-se a construção do prédio.

Em 11 de fevereiro de 1995 o Cine Vitória novamente foi lembrado durante uma palestra feita no prédio da Fundação pelo engenheiro Mário Dal´Mas. Nela ele relatou as expectativas da construção do cine Vitória e o burburinho da cidade nessa época. Segundo Mário as construções eram vistas como uma loucura, diziam que tal edifício não poderia ser comportado pela cidade. No entanto a família Dal´Mas continuou firme em seus propósitos até que inaugurou o Vitória em 30 de setembro de 1953 com a presença do então prefeito Anacleto Campanella.

O projeto foi feito com recursos próprios, e constava de um cinema, 56 salas comerciais, vários salões de festas, uma galeria de 12.000 metros quadrados e o restante área comercial. Durante esse tempo o prédio abrigou vários departamentos, entre eles: Poderes executivos, Legislativo, cartório, grêmio e foi palco de exposições de arte (2).

A inauguração do Cine Vitória foi marcada pelo lançamento de uma revista, ela fez tanto sucesso que acabou tendo um segundo número em comemoração ao aniversário da cidade.

Na primeira revista, o Cine Vitória era apresentado ao público com um equipamento de última geração: som e projeção simples X-L, o que o comparava aos melhores cinemas do mundo. Fora isso os filmes exibidos eram os programados pela Companhia Cinematográfica Serrador, Art Palácio, Ipiranga, Bandeirantes, Opera e Broadway. Frente a tanta sedução, o Vitória foi inaugurado numa terça-feira às 21 horas no dia 29 de setembro de 1953. “A avant-premiére foi patrocinada pelo Rotary de São Caetano do Sul, em prol da construção de um posto de puericultura. O filme estrelado era O falcão Dourado em technicolor”, conta Ademir Médici, jornalista (3). Depois dele o Vitória viveu seus autos e baixos. Chegou a se transformar em dois cinemas: Cine Vitória I e II.

Desde o inicio o Vitória contou com poltronas estofadas, sistema moderno de projeção, acústica e ventilação bem cuidadas e uma boa visibilidade já que a sala foi construída em dois planos. Também foi realizado um contrato com a Distribuidora Serrador para que os filmes recém-lançados fossem exibidos em primeira mão (4).

Mais tarde o Vitória viveu sua primeira grande restauração para recuperar o seu estilo original e tentar resistir à invasão dos shoppings. Ele ressurgiria com um novo sistema de iluminação e som em um investimento feito com Cr$ 14 milhões.

É impossível pensar no Cine Vitória e não se lembrar da Doceria Jóia ou do Tio Vicente. Ela ficava em um local estratégico, na esquina da Baraldi e exatamente na frente do Cine Vitória. Os doces ali eram inesquecíveis, um deles eram as pequenas maçãzinhas cuidadosamente modeladas com recheios de amêndoas.

Tio Vicente se chamava Vicente Gombi e chegou a São Caetano do Sul em 1953. Nascido na cidade de Rokovci, na Iugoslavia em 1914 veio para a cidade estimulada pelos amigos que aqui viviam. Morou durante antes no bairro Vila Paula e teve como o primeiro emprego carregar barro na Cerâmica São Caetano. Mais tarde, começou a trabalhar no restaurante Rutly como lavador de pratos e ali pegou o gosto pela culinária. Dali mudou de emprego, desta vez para uma doceria em São Paulo e mais tarde, montou a sua própria doceria. A Doceria Jóia funcionou até o final da década de 1990.

Assim, como a Doceria de Tio Vicente, o Cine Vitória perdeu a força. Foram substituídos por outros estabelecimentos e a dinâmica da modernidade.

No caso do Cine Vitória, a moda de construir cinemas dentro de shoppings enfraqueceu sua majestade e então ele se transformou em uma casa de shows, acabou sendo substituído por outros cinemas da região e da cidade.

A derrocada final do Cine Vitória aconteceu em uma terça-feira 1 de setembro de 1998. Era então um dia comum se não fosse pela última sessão de seu funcionamento. Na sala de cinema apenas 100 espectadores assistiram ao filme norte-americano Armaggedon.

Antes do Cine Vitória surgiram outros cinemas na cidade. As primeiras salas de exibições que se tem notícias apareceram na década de 1910 (1).

Em 1916 foi encontrado o indicio de uma dessas salas em um pedido de alvará para cinematógrafo feito por José Golfetti na Rua. Rio Branco. Outros nesses mesmos moldes manuais foram encontrados pela cidade entre eles um na Rua. Heloisa Pamplona. Mais tarde em 1922 surgiu a verdadeira ideia de cinema então com o Cine Central da Rua. Perrella, 319 propriedade de Attílio Santarelli (1). Aliás a fachada desse cinema ainda pode ser visitada, ela foi restaurada recentemente.

O Cine Central tinha uma curiosidade, quando a sessão ia começar tocavam uma sirene para avisar as pessoas. Eram três toques: o primeiro era o mais forte e podia ser ouvido até a Avenida Goiás. Um dia por semana tinha a sessão das moças, que desde que acompanhadas não pagavam ingresso.



Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni

(ESSE TEXTO NÃO PODE SER COPIADO SEM OS DEVIDOS CRÉDITOS DE AUTORIA, CONFORME A LEGISLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS LEI 9610, de 19 de fevereiro de 1998, "Dos Direitos Morais do Autor", Artigo 24, Inciso II. POR FAVOR, NÃO COPIEM, COMPARTILHEM O LINK. OBRIGADA)

Esse texto foi publicado originalmente no http://promemoriasaocaetano.blogspot.com.br/ 


Para saber mais:   http://promemoriasaocaetano.blogspot.com.br/ 

NOTAS:
(1)   XAVIER, Sônia Maria Franco, Os cinemas de São Caetano- Revista Raízes 39, julho de 1991.
(2)   DAL`MAS, Mário, Edifício Vitória: o ideal de um imigrante, Raízes Julho de 1995.
(3)   Jornal Diário do Grande ABC, Grande ABC Memória, Ademir Médici, setembro de 1953.
(4)XAVIER, Sônia Maria Franco, Os cinemas de São Caetano- Revista Raízes 39, julho de 1991.

*É jornalista, pesquisadora, cientista social e mestre em historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora do livro Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora UCG.


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