Lembranças do Cine Vitória e dos
docinhos de Tio Vicente
Andar pelas
ruas do centro de São Caetano é navegar pelas memórias do tempo. Poucos locais
guardam lembranças do que foram em nossa infância, o que é uma pena. Mas alguns
locais nos marcaram tanto que ainda conseguimos fechar os olhos e vê-los
exatamente como eram nas décadas passadas. Um desses locais é um grande prédio,
que fica entre os cruzamentos das ruas. Senador Roberto Simonsen e a Rua. Baraldi.
Esse prédio que já foi Igreja, bingo e uma famosa casa de shows, um dia
acomodou o Cine Vitória, que ainda ocupa o imaginário de muitos moradores da
década de 1980.
Olhando para
esse prédio hoje, que apenas lembra o Cinema pela localização, os ladrilhos
escuros e as grande portas centrais me recordo da primeira vez que fui ao
cinema.
Era então uma
sessão das 14 horas, onde o famoso matinê de domingo exibia em primeira mão o
filme: Marcelino pão e vinho. Lá fui eu com minha irmã e mãe comprar o bilhete
de entrada no Cine Vitória. Ele era o principal cinema de São Caetano, por isso
vivia com longas filas.
Majestoso bem
no centro da cidade, o Vitória vivia cheio de gente e nas matinês lotado de
crianças barulhentes e comilonas.
Depois desse
dia em que entrei na sala de exibição e vi uma enorme sala cheia de cadeiras,
nunca mais deixei de visitar o cinema, virei fã. Se passaram os meses, os anos
e então foi a vez do ET, um filme muito concorrido que para pegar um bom lugar
era preciso chegar bem cedo e enfrentar a fila na porta.
Mesmo quando
não tinha filme para assistir eu gostava de dar uma passada na frente do
Vitória e ver os cartazes com as próximas exibições.
Para quem não
sabe, o Cine Vitória recebeu esse nome justamente em homenagem ao seu criador
Vittorio Dal´ Mas, que chegou ao município aos 12 anos e tornou-se um grande
empresário. Ele tinha o sonho de construir um grande edifício em São Caetano,
mas só concretizou isso após a autonomia político administrativa.
Em 1949 foram
feitos estudos e projetos do edifício e em 50 iniciou-se a construção do
prédio.
Em 11 de
fevereiro de 1995 o Cine Vitória novamente foi lembrado durante uma palestra
feita no prédio da Fundação pelo engenheiro Mário Dal´Mas. Nela ele relatou as
expectativas da construção do cine Vitória e o burburinho da cidade nessa
época. Segundo Mário as construções eram vistas como uma loucura, diziam que
tal edifício não poderia ser comportado pela cidade. No entanto a família
Dal´Mas continuou firme em seus propósitos até que inaugurou o Vitória em 30 de
setembro de 1953 com a presença do então prefeito Anacleto Campanella.
O projeto foi
feito com recursos próprios, e constava de um cinema, 56 salas comerciais,
vários salões de festas, uma galeria de 12.000 metros quadrados e o restante
área comercial. Durante esse tempo o prédio abrigou vários departamentos, entre
eles: Poderes executivos, Legislativo, cartório, grêmio e foi palco de
exposições de arte (2).
A inauguração do Cine Vitória
foi marcada pelo lançamento de uma revista, ela fez tanto sucesso que acabou
tendo um segundo número em comemoração ao aniversário da cidade.
Na primeira revista, o Cine
Vitória era apresentado ao público com um equipamento de última geração: som e
projeção simples X-L, o que o comparava aos melhores cinemas do mundo. Fora
isso os filmes exibidos eram os programados pela Companhia Cinematográfica
Serrador, Art Palácio, Ipiranga, Bandeirantes, Opera e Broadway. Frente a tanta
sedução, o Vitória foi inaugurado numa terça-feira às 21 horas no dia 29 de
setembro de 1953. “A avant-premiére foi patrocinada pelo Rotary de São Caetano
do Sul, em prol da construção de um posto de puericultura. O filme estrelado
era O falcão Dourado em technicolor”, conta Ademir Médici, jornalista (3). Depois
dele o Vitória viveu seus autos e baixos. Chegou a se transformar em dois
cinemas: Cine Vitória I e II.
Desde o inicio o Vitória contou
com poltronas estofadas, sistema moderno de projeção, acústica e ventilação bem
cuidadas e uma boa visibilidade já que a sala foi construída em dois planos.
Também foi realizado um contrato com a Distribuidora Serrador para que os
filmes recém-lançados fossem exibidos em primeira mão (4).
Mais tarde o Vitória viveu sua
primeira grande restauração para recuperar o seu estilo original e tentar
resistir à invasão dos shoppings. Ele ressurgiria com um novo sistema de
iluminação e som em um investimento feito com Cr$ 14 milhões.
É impossível
pensar no Cine Vitória e não se lembrar da Doceria Jóia ou do Tio Vicente. Ela
ficava em um local estratégico, na esquina da Baraldi e exatamente na frente do
Cine Vitória. Os doces ali eram inesquecíveis, um deles eram as pequenas maçãzinhas
cuidadosamente modeladas com recheios de amêndoas.
Tio Vicente se
chamava Vicente Gombi e chegou a São Caetano do Sul em 1953. Nascido na cidade
de Rokovci, na Iugoslavia em 1914 veio para a cidade estimulada pelos amigos
que aqui viviam. Morou durante antes no bairro Vila Paula e teve como o
primeiro emprego carregar barro na Cerâmica São Caetano. Mais tarde, começou a
trabalhar no restaurante Rutly como lavador de pratos e ali pegou o gosto pela
culinária. Dali mudou de emprego, desta vez para uma doceria em São Paulo e
mais tarde, montou a sua própria doceria. A Doceria Jóia funcionou até o final
da década de 1990.
Assim, como a
Doceria de Tio Vicente, o Cine Vitória perdeu a força. Foram substituídos por
outros estabelecimentos e a dinâmica da modernidade.
No caso do
Cine Vitória, a moda de construir cinemas dentro de shoppings enfraqueceu sua
majestade e então ele se transformou em uma casa de shows, acabou sendo
substituído por outros cinemas da região e da cidade.
A derrocada final do Cine
Vitória aconteceu em uma terça-feira 1 de setembro de 1998. Era então um dia
comum se não fosse pela última sessão de seu funcionamento. Na sala de cinema
apenas 100 espectadores assistiram ao filme norte-americano Armaggedon.
Antes do Cine
Vitória surgiram outros cinemas na cidade. As primeiras salas de exibições que
se tem notícias apareceram na década de 1910 (1).
Em 1916 foi
encontrado o indicio de uma dessas salas em um pedido de alvará para
cinematógrafo feito por José Golfetti na Rua. Rio Branco. Outros nesses mesmos
moldes manuais foram encontrados pela cidade entre eles um na Rua. Heloisa
Pamplona. Mais tarde em 1922 surgiu a verdadeira ideia de cinema então com o
Cine Central da Rua. Perrella, 319 propriedade de Attílio Santarelli (1). Aliás
a fachada desse cinema ainda pode ser visitada, ela foi restaurada recentemente.
O Cine Central
tinha uma curiosidade, quando a sessão ia começar tocavam uma sirene para
avisar as pessoas. Eram três toques: o primeiro era o mais forte e podia ser
ouvido até a Avenida Goiás. Um dia por semana tinha a sessão das moças, que
desde que acompanhadas não pagavam ingresso.
Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni
Esse texto foi publicado originalmente no http://promemoriasaocaetano.blogspot.com.br/
Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni
(ESSE TEXTO NÃO PODE SER COPIADO SEM OS DEVIDOS CRÉDITOS DE AUTORIA, CONFORME A LEGISLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS LEI 9610, de 19 de fevereiro de 1998, "Dos Direitos Morais do Autor", Artigo 24, Inciso II. POR FAVOR, NÃO COPIEM, COMPARTILHEM O LINK. OBRIGADA)
Esse texto foi publicado originalmente no http://promemoriasaocaetano.blogspot.com.br/
Para saber mais: http://promemoriasaocaetano.blogspot.com.br/
NOTAS:
(1)
XAVIER, Sônia Maria Franco, Os cinemas de São Caetano-
Revista Raízes 39, julho de 1991.
(2)
DAL`MAS, Mário, Edifício Vitória: o ideal de um
imigrante, Raízes Julho de 1995.
(3)
Jornal Diário do Grande ABC, Grande ABC Memória, Ademir
Médici, setembro de 1953.
(4)XAVIER,
Sônia Maria Franco, Os cinemas de São Caetano- Revista Raízes 39, julho de
1991.
*É jornalista, pesquisadora, cientista social e mestre em historiadora.
Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências
sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e
Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela
PUC de São Paulo. É autora do livro Abre as portas para os Santos Reis da
Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os
benzedores que benzem com as mãos da editora UCG.
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