Crônicas de benzimentos
AS MÃOS QUE ABENÇOAM
Por: Priscila Gorzoni*
Esse texto é uma homenagem a Dona Dolores e a todas as benzedeiras que já não estão mais entre nós, mas que me ensinaram muito....
Esse texto é uma homenagem a Dona Dolores e a todas as benzedeiras que já não estão mais entre nós, mas que me ensinaram muito....
-Pronto
você já está bem!
Finalizou Dona Dolores, 96 anos, benzedeira espanhola famosa dos arredores do bairro santo Antonio. Depois de rezar, pedir que eu me sentasse em sua frente num pequeno banquinho, ela me olhou detalhadamente e disse:
-Você
precisa de reza, pega quebrante fácil....
Não titubiei há muito tinha ouvido falar de Dona Dolores, espanhola sacudida e uma das mais antigas moradoras de São Caetano. Eu a imaginava mais gasta pelo tempo, mas me deparei com uma bela senhora de idade, olhinhos brilhantes em tom de pequenas gotas de um azul puro tecendo em suas mãos o terço gasto de reza. Dona Dolores é daquelas que não deixa de rezar um dia sequer, um ministro vem uma vez por semana em sal casa lhe dar a comunhão e quando não está benzendo, está rezando. Vai rezando em um som quase apagado e até se esquece de minha presença na sala de estar....
-Ave
Maria cheia de graça, senhor......
Do
outro lado está sua filha Terezinha, rosto de educadora e atenção redobrada em
Dona Dolores. Ela foi a filha que restou ao lado da mãe, quase centenária, os
outros irmãos estão espalhados pelo estado de São Paulo. Mas Terezinha
ficou.....Resolveu cuidar da pequena velhinha e é feliz assim. O silêncio da
sala é apenas interrompido pelo barulho dos carros lá fora.
Depois
de terminar a ladainha Dona Dolores resolve falar, contar sua história que vem
antiga, lá atrás quando os imigrantes espanhóis aqui chegaram de navios. Ela
então era uma menina animada cercada dos mimos do pai. Antes de iniciar a
narrativa, que prometia ser longa, Dona Dolores com a fala mansa e lúcida pede
a filha:
-Feche
um pouco a janela, assim o sol não entra tão forte.
No meio
de suas palavras percebo o leve sotaque espanhol. Algo que apesar da passagem
do tempo ficou na memória.
-Nasci na Espanha, mas vim para
cá com 10 anos e aqui morei em várias cidades do interior paulista.
Para ajudar na narrativa da mãe,
Terezinha completa a frase já muitas vezes ouvida entre a família. A velhinha
parece pensar entre uma palavra, a outra e escolhe as frases. Animada Terezinha
exclama:
-Finalmente vão escrever sobre a
vida de Mamãe, já não era tarde....
Depois retoma a postura e
continua emendando as frases de Dona Dolores. Que em tons lentos continua a
narrativa.
-Meu avô não encontrava trabalho
lá, então disse que tentaria aqui. Viemos juntos porque éramos muito unidos.
A partir daí a vida dessa
espanhola mudaria radicalmente. Acostumada com a vida na roça e comida
espanhola estranhou tudo. Por alguns momentos ela para a vista no ar e pareceu
pescar algumas lembranças preciosas esquecidas pelo tempo. Após alguns minutos,
recordou e em um sobressalto desandou a falar novamente:
-Foi uma vida complicada. Quando
chegamos da Espanha a gente não entendia ninguém e estranhávamos muito a comida
brasileira. Minha avó não queria comer o arroz, achava muito estranho tantos
grãos juntos e sem gosto. Mas com o tempo teve que se acostumar.
Esperei Dona Dolores respirar
entre uma palavra e outra, mas ainda ansiosa por saber sobre os seus
benzimentos, não parei diante do caminhão barulhento para elaborar a pergunta.
Mal terminei e ela já foi contando a sua trajetória de benzedeira, mas foi
interrompida pela filha:
-Entrem, minha mãe já vai
atender.
Mãe e menino entram na sala e me
olham com um olhar atento, esperando uma solução para o problema de saúde.
Rafael ainda no colo da mãe parece assustado, mas é conduzido a uma das
poltroninhas da sala. Ele senta-se e fica olhando para Dona Dolores mexendo no
terço. A mãe espera a benzedeira acabar de colocar o terço no colo para pedir
que a benzedeira reze por seu menino.
-Ele não pára de chorar e teve
febre a noite toda.
Dona Dolores olha a criança, tira
o terço do colo e começa a rezar em suas costas. Faz o sinal da cruz diversas
vezes e finalmente pousa os dedos sobre sua testa. Terminada a reza explica:
-É preciso vir mais três vezes
senão o benzimento não dá certo.
Logo que termina começa a
bocejar, mas isso logo sai, porque ela sempre está rezando.
-Graças a Deus, nada de ruim fica
em mim.
Mãe e filho se levantam e é clara
a mudança de Rafael. Seu semblante exibe uma expressão mais tranqüila e o
soluço silenciou.
A mãe se despede de Dona Dolores prometendo sua volta na próxima semana para dar continuidade ao tratamento. Antes deles sairem Dona Dolores explicou:
A mãe se despede de Dona Dolores prometendo sua volta na próxima semana para dar continuidade ao tratamento. Antes deles sairem Dona Dolores explicou:
-Podem vir qualquer dia menos nas
sextas e dias santos.
Nas sextas-feiras Dona Dolores
ensina quem pretende seguir o seu legado, afinal a tradição precisa
continuar.....
Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni
Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni
(ESSE TEXTO NÃO PODE SER COPIADO SEM OS DEVIDOS CRÉDITOS DE AUTORIA, CONFORME A LEGISLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS LEI 9610, de 19 de fevereiro de 1998, "Dos Direitos Morais do Autor", Artigo 24, Inciso II. POR FAVOR, NÃO COPIEM, COMPARTILHEM O LINK. OBRIGADA)
Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni