quarta-feira, 29 de março de 2017

Entrevista: A história e a dança
Odilon José Roble, especialista em danças da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP.

 


A filosofia da dança
            É dificil determinar quando homens e mulheres dançaram pela primeira vez. É possível ver seus perfis em movimento nos desenhos gravados nas cavernas de Lascaux. E como temos indícios de que os homens da Idade da Pedra só registraram as coisas mais importantes de seu cotidiano nas pinturas, a dança, provavelmente, fazia parte de seus rituais religiosos. Podemos assim dizer que a dança surgiu da religião e em cerimônias religiosas. No entanto, ela vai além, é fruto da necessidade de expressão humana, de aplacar os deuses, demonstrar alegrias e tristezas.

            Atualmente, dividimos as danças em três formas distintas: a étnica, a folclórica e a teatral. Uma descende da outra e estabelece universos próprios e particulares. A forma mais adequada para compreender-se um tipo de dança, é conhecer a sua historicidade e a técnica. Estudar o universo das danças requer dedicação e especialidades. Mas vale à pena, pois essa é uma área de pesquisas em crescimento.
Para falar sobre o assunto entrevistamos o especialista em danças da Universidade Estadual de Campinas UNICAMP, Odilon José Roble. O pesquisador é graduado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas, com graduação em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas, mestrado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte) e doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Metodologia de Ensino, Avaliação e Formação de Professores). Odilon é professor do Departamento de Educação Física e Humanidades da Faculdade de Educação Física da UNICAMP e do Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena do Instituto de Artes da Unicamp.
Odilon entrou de cabeça nas pesquisas sobre danças. Ele desenvolve pesquisas sobre Filosofia e Estética do movimento e Dança; encontrou na filosofia e no cruzamento desta os elementos fundamentais para se compreender um pouco mais a essência da arte.

O pesquisador da dança que não frequenta o teatro ou os espaços não convencionais em que a dança ocorre, está perdendo um dado essencial de sua pesquisa”, diz Odilon José Roble


quantos anos desenvolve pesquisas na área da dança?

Odilon José Roble: Desde 1993 estou envolvido em investigações que tratam da dança de algum modo. Como pesquisador efetivo do corpo e suas possibilidades expressivas posso dizer que desde 2000. Nesse sentido, penso que pesquiso dança há, aproximadamente, 15 anos.

Qual é o objetivo da sua pesquisa?

Odilon José Roble: Atualmente, meu principal interesse é propor cruzamentos entre a dança e a filosofia, em especial o ramo da filosofia conhecido por Estética.

O que tem descoberto de interessante nessas pesquisas?

Odilon José Roble: As possibilidades de se compreender a dança por meio da filosofia são inúmeras. Muitas das questões existenciais, estéticas e até éticas que são colocadas pela filosofia são as mesmas que alguns espetáculos apresentam pela poética da dança. Podemos dizer que, muitas vezes, a dança é um laboratório da Filosofia.

Quais pesquisas tem desenvolvido nessa área?

Odilon José Roble: Tenho pesquisado em especial a Filosofia de Arthur Schopenhauer e Friedrich Nietzsche, além da constelação de autores em torno deles. O corpo, a dança contemporânea e a Capoeira são objetos preferidos nesse recorte.

Quais são os seus enfoques?

Odilon José Roble: A Filosofia dos autores que citei é dita vitalista. Isso quer dizer que há um foco em questões existenciais e estéticas, nas quais o corpo ganha destaque. A arte, nesse contexto, não é vista como um patrimônio, mas antes, uma atividade suprassensível, que nos coloca em contato com o âmago da existência em si.

Como a dança pode servir de instrumento para se compreender a história de um tempo, momento, vidas, sociedades, memórias coletivas e individuais?

Odilon José Roble: Uma vez que a dança é a arte do movimento mais completa de senso estético ela carrega em si memórias, percepções e imaginações que se construíram em relações únicas de tempo e espaço. O interessante dessa construção é que ela se dá menos em fatos e contextos e mais em experiências estéticas. Uma obra de dança é também uma forma de registro emocional de uma época. A obra de Mary Wigman, por exemplo, tem um papel singular no expressionismo alemão, apresentando gestos e representações do que sentia o corpo naquele momento histórico. Porém, por ser suprassensível, tem-se nesse registro, além do dado situado, uma dimensão longitudinal sobre o ser humano.

Por que iniciou a pesquisa na área de dança?

Odilon José Roble: Aos poucos a dança foi se apresentando a mim como a investigação mais profunda que uma abordagem estético-filosófica do movimento poderia ensaiar. Há muitas outras formas de expressão nas quais estão presentes elementos que nos permitem uma reflexão estética aprofundada, mas na dança tudo é menos óbvio. Não é possível estabelecer regras definitivas sobre o que vemos em dança, em especial na chamada dança contemporânea. Para uma investigação filosófica isso é muito fértil.

Como foi o começo?

Odilon José Roble: Minha mãe foi bailarina clássica e, depois, professora de balé. Sempre tive, portanto, uma inspiração positiva com a dança. Na adolescência comecei a fazer capoeira, mais para lutar do que para dançar. Logo percebi que estava mais dançando do que lutando e achei aquilo muito bonito. Formei-me contramestre de capoeira e cheguei a dar aulas por um tempo. A capoeira está entre as formas de expressão corporal mais belas que já conheci. Para meus interesses de pesquisa, trato-a como dança, embora reconheça suas outras dimensões. O movimento da dança contemporânea absorve muitas formas de expressão, rompendo com o academicismo clássico. Por essa razão pude participar da cena da dança contemporânea de diversos modos até que hoje me dedico a construir uma reflexão filosófica nesse terreno.

Conte um pouco das dificuldades que encontrou.

Odilon José Roble: Há um fenômeno incômodo no Brasil: temos inúmeros pesquisadores circulando em torno de poucos temas, em geral, os temas mais genéricos. É comum no cenário internacional você encontrar combinações de interesses que aqui seriam exóticas. Um dos grandes reformadores da dança, Rudolf Laban, era arquiteto. Eu sou formado em filosofia, pesquiso dança, dou aulas na Educação Física e no Instituto de Artes, muita gente acha isso esquisito, heterogêneo. O próprio sistema de medição da produção científica acha, pois que eu teria que publicar assuntos menos híbridos em revistas temáticas. Poucos são os periódicos da minha área que absorvem um artigo polissêmico, cruzando saberes distintos. Para um pesquisador em começo de carreira isso é complicado. O modo de produção industrial em que a universidade vem se convertendo atrofia as possibilidades de reflexões poéticas, hibridismos. O risco da mesmice científica já vem sendo amplamente constatado na produção atual. Começo a encontrar espaços menos desconfortáveis para isso, mas isso já me bloqueou bastante e continua obstando.

Quais fontes usa em sua pesquisa?
Odilon José Roble: Fundamentalmente, escritos filosóficos, em especial dos grandes pensadores mesmo. Sempre que possível, gosto der recorrer a Schopenhauer, Nietzsche, Platão, Aristóteles. Há muito neles que ainda pode subsidiar nossas reflexões. Estou atento à produção atual e busco sempre trazê-la para meus escritos e minhas aulas, mas não abro mão dos saberes clássicos. Os espetáculos de dança também são fontes de pesquisa para mim, em especial a dança contemporânea.

Como é realizada a análise do material?

Odilon José Roble: Gosto da forma de Ensaio Filosófico, tal como proposto por Martinich. Uma metodologia filosófica é, fundamentalmente, argumentativa. Para isso é necessário que se estabeleçam premissas, as quais a condução do argumento irá testar. Em alguns casos, com dados empíricos e entrevistas, já fiz uso de Análise de Conteúdo, mas o que mais me interessa nesse tipo de metodologias são as inferências finais, processo que, no fundo, se assemelha muito com uma aproximação filosófica-dedutiva.

O que leva em conta?

Odilon José Roble: É fundamental refletir se a apropriação da ideia que estamos fazendo realmente se aplica ao objeto analisado. Como eu disse, há muitas possibilidades de cruzamento entre filosofia e movimento humano, filosofia e dança, mas isso não quer dizer que qualquer conceito filosófico pode ser projetado na dança. Até porque há conceitos na filosofia que são exclusivamente teóricos, os quais se deturpam quando queremos materializá-los em nossos objetos de pesquisa mundanos. Essa é, inclusive, uma forte razão pela qual os filósofos que se preocuparam em discutir a vida são mais aplicáveis a objetos diversos do que, por exemplo, estudos de lógica simbólica.

Como amarra os materiais?

Odilon José Roble: Por meio de inferências e interpretações. Como já dito, quando faço uso de Analise de Conteúdo essa é a etapa final da análise. Quando se trata de um ensaio filosófico, elas estão presentes no desenrolar do argumento. De um modo ou de outro, não me parece possível pensar em conclusões filosóficas sem uma necessária abstração, fruto de inferências construídas da melhor forma que o material (ou premissa) permitiu.

Para quem deseja fazer pesquisas na área de dança o que indicaria?

Odilon José Roble: Que assista espetáculos de dança. Há hoje uma cena da dança muito efetiva no país, com artistas nacionais muito talentosos (bailarinos, coreógrafos etc.) além de temporadas internacionais excelentes. Só o contato com a experiência estética da dança permite uma reflexão situada. É evidente que a bibliografia é indispensável, ela é condição necessária, mas não suficiente. O pesquisador da dança que não frequenta o teatro ou os espaços não convencionais em que a dança ocorre está perdendo um dado essencial de sua pesquisa.

Conte um pouco do passo a passo da sua forma de pesquisar a dança.

Odilon José Roble: Um tema, para me levar a pesquisá-lo, tem que ser algo que me encante de algum modo. Pesquisar em filosofia e dança sem interesse estético é inócuo e desnecessário. Meu primeiro passo é, portanto, a própria experiência estética. Considero essas experiências, para mim, tanto assistir espetáculos, como já citei, como ler clássicos da filosofia. Também coordeno um grupo de dança na Faculdade de Educação Física da Unicamp. Nele, encontro mais uma forma de obter esse tipo de experiência que estou considerando um primeiro passo para a pesquisa. No passo seguinte, trato de tentar criar nexos de inteligibilidade entre essa experiência estética e os saberes da filosofia. Decorre disso, talvez como um terceiro passo (ou outra face do segundo), o exercício argumentativo. Por fim, o texto como um todo deve ter sua forma, sua unicidade. O último passo é dar essa singularidade ao texto, tornando-o representante dessa pesquisa que começou com a provocação estética do movimento (no palco ou no livro).

Quais cuidados tomar?
Odilon José Roble: No caminho que escolhi, tento ficar alerta para não produzir um texto por demais conceitual, anulando a potência sensível da experiência estética. Por outro lado, fico também vigilante para não incorrer na estetização vazia do texto, produtora de elucubradas formas de não se dizer muita coisa.

Quais temas futuros deseja abordar na dança?

Odilon José Roble: Tenho colhido material para um projeto mais ou menos intitulado “filosofia da capoeira”. Suponho que temos uma epistemologia difusa dessa arte, ainda pouco sistematizada. Não estou falando de conceitos ou técnicas, mas de uma singular visão de mundo que o capoeirista assume, de forma quase constante em diversos locais da prática. Esse é um fenômeno que me instiga.

Suas conclusões.

Odilon José Roble: Há um texto meu, escrito para um periódico bem simples inclusive, que sempre alguém me pergunta sobre ele, é citado ou lembrado. Trata-se de um texto sobre a dança na obra “Assim falou Zaratustra”, de Nietzsche. Como eu disse, não é um texto profundo, mas essa pequena notoriedade do artigo me faz pensar que há um número considerável e crescente de pessoas se interessando por uma abordagem filosófica da dança e das artes do movimento de modo mais amplo. Dito de outro modo, parece que tem bastante gente cruzando os termos “dança" e “Nietzsche" no Google.

*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora do livro Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora UCG.

sábado, 18 de março de 2017

Personagens de São Caetano do Sul
Daniela Provenzano Pasqual, criadora e professora da Cia. da Dança Bruma Magias de São Caetano do Sul
Por: Priscila Gorzoni 








Quem dança, seus males espanta

Desde que o mundo é mundo, homens e mulheres dançam. Eles dançam para ritualizar, pedir aos deuses graças e proteções, por uma boa colheita, de alegria, tristeza, distração ou saúde. Por um motivo ou outro a dança está presente no cotidiano humano desde a origem do mundo e é nossa companheira inseparável. Além de alegrar, socializar, pode contribuir para uma boa saúde. Algumas pessoas que a praticam são as testemunhas vivas disso e conseguem atestar esses benefícios rapidamente.

            Esse é o caso de Maria Nilza Rosa Nunes, 73 anos, ela está na Cia. de Dança Bruma Magias de São Caetano do Sul há mais de 10 anos. Mora há 60 anos na cidade e sempre teve sua vida repleta de atividades artísticas.  Nilza faz parte de uma família de artistas e sempre teve vontade de praticar dança. Por isso, resolveu arriscar. No início sentiu certa dificuldade em relação ao espaço, a pouca frequência das aulas e a falta de rotina do curso. Mas, aos poucos, as aulas engrenaram e ela logo percebeu os avanços com algumas colegas, entre elas uma senhora que tinha alguns problemas físicos.



 “Quando ela iniciou nos olhava, não falava, sentia certo receio, mas aos poucos foi se desenvolvendo de tal forma que nos surpreendeu. Apesar de não falar desenvolvia com rapidez as coreografias indicadas. Foi triste quando a família não a trouxe mais”, lembra.

Maria Nilza adora as aulas de dança, e não sente dificuldades em desenvolver as coreografias, o que consegue em pouco tempo. Assim como ela, Vânia Gesse, que mora na cidade desde 1982, faz parte do grupo há 10 anos, sempre gostou de todos os cursos ligados à arte, educação, cultura e destaca a dança circular como a mais especial. Para ela, praticar essa dança é muito mais do que um bailado, é, sem dúvida, uma experiência de cidadania. Nela aprendeu o amor ao próximo e uma nova terapia, que faz bem  a tudo, desde o corpo até a alma!

Além de aprenderem novas culturas e danças, as participantes da Cia. criam vínculos com as amigas como aconteceu com Cleide Fernandes Picanço, que está há cinco anos no grupo. Ela ficou sabendo que uma das companheiras era vizinha por acaso. “Um dia a encontrei em frente ao portão de casa e ela disse que estava de mudança por se sentir muito sozinha. Disse que se soubesse que eu morava ali, não se mudaria”, relata Cleide. 



Assim como a vida de suas companheiras, a de Picanço, mudou radicalmente. Ela passou a se sentir melhor e feliz por ter colegas para trocar ideias. “Os ensaios são maravilhosos, passamos algumas horas juntas e não temos dificuldades para aprendermos a coreografia. Gosto de todas as apresentações que fazemos. A dança circular, me faz muito bem, além de ser ótima para a coordenação motora”, ressalta.

Mas todos esses encontros não seriam possíveis sem Daniela Provenzano Pasqual, que criou a Cia. da Dança Bruma Magias, em 2000, em razão dos convites para apresentações nos municípios vizinhos.



O grupo começou com um trabalho desenvolvido durante 13 anos nos Centros de Convivência da Terceira Idade de São Caetano do Sul. Para facilitar, Daniela tinha a Escola Bruma Magias, que começou a ser frequentada pelas alunas do curso.

“Inicialmente o foco era somente a terceira idade, com o passar do tempo, mais pessoas se interessaram. Hoje temos participantes com idades variadas dos 23 a 81 anos. Duas participantes: Carmelinda e Nilza possuem mais de 70 anos. Começamos com cinco alunas e agora temos 30. O foco da Cia é o aprendizado, a troca, a superação dos limites, as apresentações são o fruto do trabalho. Quando temos alguma apresentação o ensaio apesar de divertido é intenso” explica a professora.

A Cia. é muito requisitada nas apresentações pela região, algumas já até renderam premiações e cachês. “No ano passado fizemos várias apresentações: no almoço das Acácias do ABC, evento da Loja Maçônica Cavaleiros, Faculdade da Terceira Idade da FEFISA em Santo André, espetáculo Mulheres que fizeram história no clube Aramaçan, Feticom em Mongaguá no litoral paulista, Dia da Criança do Clube América, Clube São Caetano, Espaço Chico Mendes, Museu Histórico, entre outros. Tivemos até que recusar alguns convites porque as datas eram as mesmas”, conta Daniela. 



Durante as apresentações, a Cia. demonstra os vários tipos de danças que são trabalhadas nos ensaios. “Fazemos as Danças Circulares Sagradas, realizada pelos antigos gregos, celtas, cuja integração em roda nos ensina o aprendizado do encontro com o nosso sagrado, Danças Étnicas de diversas culturas africana, brasileira, havaiana, espanhola, indígena e hindu, Dança do Ventre, Dança Cigana, Dança Tribal, que é a fusão dos elementos da Dança do Ventre com ritmos diferenciados. Essa última é a mais difícil porque exige mais do corpo, por isso é feito um trabalho com a yoga para aumentar a flexibilidade, elasticidade e abertura”, exemplifica Pasqual.

Além de se divertirem, as participantes da Cia. sentem os vários benefícios físicos e mentais da dança. Entre eles estão: melhora respiratória, postural, de concentração, do metabolismo, superação de limites, melhora na autoestima, relaxamento, alegria de viver, integração, autotransformação e meditação ativa. 


           
Aliás, duas histórias marcaram a carreira de Daniela, uma delas aconteceu com uma de suas alunas que tinha a mãe portadora de Alzheimer. “Ela trouxe a mãe para participar do grupo. Segundo ela, todo dia de aula, a mãe não se esquecia, embora já não reconhecesse as pessoas. O outro caso foi o de uma das meninas da Terceira Idade que era excepcional. A família e os médicos nos relataram evidente melhora em seu estado após as aulas”, finaliza Provenzano.

Referências Bibliográficas:

Faro, Antônio José. Pequena história da dança, Editora Jorge Zahar, Rio de Janeiro, 1987.
           
*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora do livro Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora UCG. 





quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Os personagens de São Caetano do Sul
Antônio Rosa Alves, 88 anos, fez a sua vida trabalhando como motorista da Lavanderia São Caetano.
Por: Priscila Gorzoni




O motorista da lavanderia São Caetano

O mineiro Antônio Rosa Alves, 88 anos, fez a sua vida trabalhando como motorista da Lavanderia São Caetano.

Ele nunca sonhou em ser motorista de táxi ou de caminhão, mas desde que começou a trabalhar com 13 anos almejava ser o motorista das lavanderias.

Antônio nasceu em Andradas no Sul de Minas Gerais e veio para São Caetano do Sul com 10 anos em 1937.

Ele veio com a família para ficar mais perto de uma das irmãs que já morava aqui. Rosa era o oitavo filho de nove irmãos. Os seus pais Rosa Alves e Mariana Norberto de Souza moraram no terreno da família De Nardi, no bairro Fundação. “Os De Nardi eram muito bons. Eles moravam em uma parte do terreno e nós na outra. A molecada se dava bem, ia jogar bola, pular corda, jogar bolinha de gude, brincava de mocinho e ali passamos a infância,” conta.

A infância do ex motorista de lavanderia foi sossegada, a cidade era tão tranquila que as casas ficavam de portas abertas, não tinha assalto e as crianças andavam sozinhas pelas ruas. Por outro lado, encontrar alimentos era bem complicado. A mãe da Antônio tinha que comprar ½ litro de leite, misturar com água para completar o litro e cada um beber um pouquinho. “Hoje é tudo mais fácil, você vai ao supermercado e compra uma caixa de um litro de leite,” conta.

Naquela época as pessoas iam para todos os locais a pé e de bicicleta. Quando aconteciam as missas Rosa saia de casa às 5 horas e só chegava a Igreja Matriz meia hora depois. “Íamos a pé sozinhos do bairro Fundação até a igreja do centro da cidade. Era tudo escuro, as lâmpadas que tinham nos postes das ruas eram fracas. Mas tínhamos a liberdade e a segurança de ir aos lugares”, conta.

A vida de Rosa começou a mudar quando arrumou um emprego em uma lavanderia da cidade, que se chamava inicialmente Lavanderia Européia e depois se mudou para a Lavanderia São Caetano. Ela ficava no bairro Fundação e Antônio começou a trabalhar lá com 13 anos entregando as roupas para os clientes. “Nós estávamos jogando bola quando chegou um rapaz chamado Mário Martins, me chamou e falou: Antônio, um homem está precisando de alguém para entregar roupa, você não quer trabalhar para ele? Eu falei opa, trabalho é sempre bom, vamos lá, eu quero trabalhar sim”.

Quando cheguei lá para pedir o emprego o dono me viu, achou que eu não daria conta porque era um menino muito baixo. “Falou que eu ia barrar o terno no chão, e pediu para eu pegar um terno para ele ver. Eu então levantei o braço e peguei o terno. Ele disse então você vai ganhar 3 mil rés por mês”.

O trabalho de Rosa era cansativo, como não tinha carro, ele andava longas distâncias com as roupas nas costas. Algumas entregas demoravam mais de uma hora. Naquela época não existiam cabides, então as roupas eram colocadas em um cabo de vassoura com pregos e Antônio o colocava nas costas, ia devagar porque era tudo terra e mato.

Na lavanderia, Rosa aprendeu a passar as roupas, a transportar as roupas e a dirigir o carro das entregas. Para isso precisou aprender a dirigir aos 18 anos na auto escola Rela e depois tirar a carta de motorista em Santo André. “Naquela época era diferente, tranquilo dirigir, as ruas todas tinham duas mãos e como o trânsito era pequeno não havia movimento. Hoje é diferente, mais complicado”.

Um dia, em 1943, o dono da lavanderia o procurou e perguntou se ele aceitava comprá-la porque pretendia fechá-la. “Ele disse que se eu não comprasse a lavanderia fecharia, e todos ficariam sem emprego. Então fomos lá falar com a minha mãe, eram 10 horas e ela estranhou, pois almoçamos às 12 horas. Nós então falamos que o Fuchs iria fechar a lavanderia se nós não a comprássemos e ela então me perguntou quanto é, eu falei 12 mil res. Ela falou tenho sim o dinheiro, pode comprar. Ela vendia verduras e foi juntando o dinheiro. O que ficou faltando pagamos depois aos poucos.”

Quando comprou a Lavanderia, Rosa assumiu a sua direção, mas continuou sendo o motorista. O trabalho na lavanderia não era fácil. Durante uma época a energia costumava acabar sempre às 6 horas da manhã e só voltava às 12 horas. Então iniciavam os trabalhos às 12 horas e iam até às 24 horas. Nos finais de semana trabalhavam direto, sem intervalos. Quando todos iam dormir, Rosa pegava o carro e fazia as entregas. “Não tenho a conta de quantas entregas fiz. Nós lavávamos 200 ternos por semana. Foi uma vida sacrificada, não era fácil, mas gostoso, conseguimos tudo com esse serviço”.

Antônio gostava de ser o motorista, inclusive porque podia dar voltas nos finais de semana com os amigos no carro da lavanderia. “Depois de jogar bola íamos dar uma voltinha e subia todo mundo no carro. Íamos até o Ipiranga e depois voltávamos para casa. Isso dá muitas saudades”.



*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora de 11 livros, entre eles Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora UCG.


 

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