quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Os personagens de São Caetano do Sul
Antônio Rosa Alves, 88 anos, fez a sua vida trabalhando como motorista da Lavanderia São Caetano.
Por: Priscila Gorzoni




O motorista da lavanderia São Caetano

O mineiro Antônio Rosa Alves, 88 anos, fez a sua vida trabalhando como motorista da Lavanderia São Caetano.

Ele nunca sonhou em ser motorista de táxi ou de caminhão, mas desde que começou a trabalhar com 13 anos almejava ser o motorista das lavanderias.

Antônio nasceu em Andradas no Sul de Minas Gerais e veio para São Caetano do Sul com 10 anos em 1937.

Ele veio com a família para ficar mais perto de uma das irmãs que já morava aqui. Rosa era o oitavo filho de nove irmãos. Os seus pais Rosa Alves e Mariana Norberto de Souza moraram no terreno da família De Nardi, no bairro Fundação. “Os De Nardi eram muito bons. Eles moravam em uma parte do terreno e nós na outra. A molecada se dava bem, ia jogar bola, pular corda, jogar bolinha de gude, brincava de mocinho e ali passamos a infância,” conta.

A infância do ex motorista de lavanderia foi sossegada, a cidade era tão tranquila que as casas ficavam de portas abertas, não tinha assalto e as crianças andavam sozinhas pelas ruas. Por outro lado, encontrar alimentos era bem complicado. A mãe da Antônio tinha que comprar ½ litro de leite, misturar com água para completar o litro e cada um beber um pouquinho. “Hoje é tudo mais fácil, você vai ao supermercado e compra uma caixa de um litro de leite,” conta.

Naquela época as pessoas iam para todos os locais a pé e de bicicleta. Quando aconteciam as missas Rosa saia de casa às 5 horas e só chegava a Igreja Matriz meia hora depois. “Íamos a pé sozinhos do bairro Fundação até a igreja do centro da cidade. Era tudo escuro, as lâmpadas que tinham nos postes das ruas eram fracas. Mas tínhamos a liberdade e a segurança de ir aos lugares”, conta.

A vida de Rosa começou a mudar quando arrumou um emprego em uma lavanderia da cidade, que se chamava inicialmente Lavanderia Européia e depois se mudou para a Lavanderia São Caetano. Ela ficava no bairro Fundação e Antônio começou a trabalhar lá com 13 anos entregando as roupas para os clientes. “Nós estávamos jogando bola quando chegou um rapaz chamado Mário Martins, me chamou e falou: Antônio, um homem está precisando de alguém para entregar roupa, você não quer trabalhar para ele? Eu falei opa, trabalho é sempre bom, vamos lá, eu quero trabalhar sim”.

Quando cheguei lá para pedir o emprego o dono me viu, achou que eu não daria conta porque era um menino muito baixo. “Falou que eu ia barrar o terno no chão, e pediu para eu pegar um terno para ele ver. Eu então levantei o braço e peguei o terno. Ele disse então você vai ganhar 3 mil rés por mês”.

O trabalho de Rosa era cansativo, como não tinha carro, ele andava longas distâncias com as roupas nas costas. Algumas entregas demoravam mais de uma hora. Naquela época não existiam cabides, então as roupas eram colocadas em um cabo de vassoura com pregos e Antônio o colocava nas costas, ia devagar porque era tudo terra e mato.

Na lavanderia, Rosa aprendeu a passar as roupas, a transportar as roupas e a dirigir o carro das entregas. Para isso precisou aprender a dirigir aos 18 anos na auto escola Rela e depois tirar a carta de motorista em Santo André. “Naquela época era diferente, tranquilo dirigir, as ruas todas tinham duas mãos e como o trânsito era pequeno não havia movimento. Hoje é diferente, mais complicado”.

Um dia, em 1943, o dono da lavanderia o procurou e perguntou se ele aceitava comprá-la porque pretendia fechá-la. “Ele disse que se eu não comprasse a lavanderia fecharia, e todos ficariam sem emprego. Então fomos lá falar com a minha mãe, eram 10 horas e ela estranhou, pois almoçamos às 12 horas. Nós então falamos que o Fuchs iria fechar a lavanderia se nós não a comprássemos e ela então me perguntou quanto é, eu falei 12 mil res. Ela falou tenho sim o dinheiro, pode comprar. Ela vendia verduras e foi juntando o dinheiro. O que ficou faltando pagamos depois aos poucos.”

Quando comprou a Lavanderia, Rosa assumiu a sua direção, mas continuou sendo o motorista. O trabalho na lavanderia não era fácil. Durante uma época a energia costumava acabar sempre às 6 horas da manhã e só voltava às 12 horas. Então iniciavam os trabalhos às 12 horas e iam até às 24 horas. Nos finais de semana trabalhavam direto, sem intervalos. Quando todos iam dormir, Rosa pegava o carro e fazia as entregas. “Não tenho a conta de quantas entregas fiz. Nós lavávamos 200 ternos por semana. Foi uma vida sacrificada, não era fácil, mas gostoso, conseguimos tudo com esse serviço”.

Antônio gostava de ser o motorista, inclusive porque podia dar voltas nos finais de semana com os amigos no carro da lavanderia. “Depois de jogar bola íamos dar uma voltinha e subia todo mundo no carro. Íamos até o Ipiranga e depois voltávamos para casa. Isso dá muitas saudades”.



*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora de 11 livros, entre eles Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora UCG.


 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Os personagens de São Caetano do Sul
Ernesto Cavagnoli, 65 anos, há 42 como motorista de táxi, do Ponto de Táxi da Rua. Manoel Coelho, Bairro Santo Antônio
Por: Priscila Gorzoni 

                                Foto/ Priscila Gorzoni
 


Em uma família de taxistas


Ernesto Cavagnoli, 65 anos, há 42 como motorista de táxi, nasceu em uma família de taxistas. Os irmãos, filhos, sobrinhos são taxistas e quem começou tudo foi o pai de Ernesto, Ricieri Cavagnoli, que tinha um Ponto de Táxi na Praça da Sé, em São Paulo.
Com o pai, Ernesto pegou o gosto pela profissão de taxista. “Ele contava muitas coisas, entre elas a de que naquela época se faziam muitos casamentos. Quando o contratavam para fazer o serviço eu tinha que colocar rendas dentro do carro para receber a noiva. O taxista andava uniformizado com uma calça marrom, camisa bege, quepe na cabeça com a sua numeração. Fora isso era uma classe mais unida, embora menos numerosa. Hoje somos mais mas é cada um por si, não tem união,” conta.
Para sustentar a família Ricieri trabalhava de dia na General Motors (GM) e a noite no Ponto. Com o objetivo de auxiliá-lo o filho fazia o que era possível, tirava o carro da garagem, o limpava, e aproveitava para dar uma voltinha. Ernesto conta que dava trabalho tirar o carro do pai porque antigamente as ruas da cidade eram todas de barro e era preciso colocar correntes para que ele não afundasse na lama. “Foi nessa época, aos 14 anos que comecei a dirigir escondido. Tornei-me motorista aos 18 e me aperfeiçoei na profissão. Quando comecei na praça a documentação era outra, existia menos exigência. A cidade não tinha essa população e os carros eram velhos.
No começo sempre há um lugar estranho para se conhecer então sou daquela opinião você sempre aprende novos caminhos. Era uma época boa, as pessoas nos respeitavam mais.
Hoje infelizmente tem muita gente que fala mal dos taxistas, que é mulherengo, marginal, e olha depois de todos esses anos de praça as pessoas estão muito enganadas. Criei uma família com o táxi, não podemos nos envolver em nada de ilícito, não somos bandidos.”
Nesses anos todos Ernesto reuniu milhares de histórias marcantes, entre elas os vinte assaltos sofridos. “Tudo o que você analisar já aconteceu e levei. De mulher que persegue o marido a bandido feio. Não posso escolher. Há um tempo levei um assaltante de banco e ele me disse: “Estamos indo para uma reunião agora”. Era 1 hora da manhã. Você ouvir isso 1 hora da manhã como fica? Não é fácil. Já levei pessoa bêbada, ferida, em fase terminal com feridas expostas. Você vai dizer o que? Tem que ser frio também. Uma vez peguei um passageiro que pediu para ir a indústria Saad aqui de São Caetano do Sul. O homem estava revoltado, ficava falando que eu queria passear com ele. Eu dizia que não, ele então sacou o revolver e me perguntou se eu tinha coragem de cobrá-lo, eu falei que não. Ele entrou na fábrica, falou aguarda um minuto, saiu do outro lado e sumiu, não me pagou. Tem as histórias alegres, me lembro uma vez de uma mãe que ia ganhar um nenê. Corri para chegar ao hospital a tempo. Chegando lá coloquei-a na maca e o nenê nasceu.”
Mas existem casos bem misteriosos que marcaram a trajetória do taxista, entre eles a de um senhor. “Teve um caso que fiquei apavorado e eu estava vindo de Santo André para São Caetano do Sul era mais ou menos entre 24 horas a 1 hora da manhã. De repente olhei na Avenida D. Pedro e vi um senhor vindo de carro bem devagar, bateu na guia e parou. Parei o meu carro e fui lá socorrer o senhor. Ele levantou o rosto e disse: “Me deram uma facada”. Ele estava todo sujo de sangue, e resolvi levá-lo até o hospital. No outro dia voltei e expliquei que havia deixado lá um senhor claro, forte e esfaqueado. A recepcionista disse que ele havia falecido. Quando voltei para o meu Ponto me disseram que a polícia estava me esperando. Eles então me convidaram para vir até a delegacia prestar alguns esclarecimentos. Cheguei na sala, o delegado me recebeu e perguntou: Como é que foi lá Seu Ernesto? Eu então contei o que aconteceu. E ele então me perguntou: Você não viu nada de estranho? Eu disse que não, só vi o que contei e havia uma moça quieta sentada em um dos cantos da sala. Me chamaram novamente dali a 15 dias e o delegado novamente pediu para eu contar o que havia acontecido e disse: “Essa moça aqui é filha daquele senhor que você deixou no hospital. Eu disse: “Filha, eu tentei o melhor que pude pelo seu pai, mas não tinha nada que pudesse fazer”. Ela então me perguntou se tinha alguma coisa para pagar. Eu disse que não. Ela me contou: O meu pai foi comprar um presente para a minha filha em Santo André, em Utinga e alguém o esfaqueou. Ela então virou para mim e disse: Seu Ernesto acho que o senhor deixou cair o seu relógio no carro e eu vim trazê-lo. Eu falei: Filha deixa eu te falar uma coisa, não uso nada, nem aliança, relógio e joia. Ela então me contou o que realmente houve: “Senhor Ernesto está tendo um roubo grande na Empresa Villares por um dos diretores e o meu pai veio para o Brasil investigar quem é o dono do roubo e esse relógio é dele, conforme foi se defender meu pai o arrancou de seu pulso. Então nós já desvendamos quem matou o meu pai”.

*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora de 11 livros, entre eles Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora UCG.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Personagens de São Caetano do Sul
Flávio De Nardi, 57 anos.
Por: Priscila Gorzoni 
Felisberto Antônio De Nardi: A poética das tintas




Assim que chegou ao Centro de Documentação, Flávio De Nardi, 57 anos, filho do artista plástico Felisberto Antônio De Nardi, nascido em São Caetano do Sul, foi logo mostrando um álbum com fotografias das pinturas do pai.
As pinturas singelas de Felisberto De Nardi são verdadeiras poesias, retratos de uma São Caetano verde, bucólica, com aquele toque rural. O artista tem talento para contar a história da cidade, por meio de seus quadros e paisagens. Gostava de guardar as paisagens na memória, em especial as cenas urbanas que via na Rua Ceará, 85, no Bairro da Fundação e também as cenas saudosas da Rua Heloísa Pamplona, onde morou por muitos anos, com a esposa, Leonor De Nardi e seus quatro filhos: Flávio, Rúbia, Flúvia (falecida com 54 anos) e Danilo. Felisberto era filho de Stéfano De Nardi e Celeste De Nardi, um dos primeiros casais de imigrantes italianos a chegarem no Núcleo Colonial de São Caetano.
O objetivo da entrevista era, justamente, pedir que Flávio contasse um pouco de sua história com o pai, Felisberto. E ele veio realmente disposto a cumprir essa tarefa. Para ajudar na narrativa, Flávio veio acompanhado do  irmão, Danilo De Nardi, 54 anos, aposentado e que conviveu mais tempo com Felisberto.


 Danilo chegou a trabalhar com o pai como letrista, por muitos anos. “Na infância aprendi muitas coisas com meu pai, até mexer com reformas. Só de olhar eu já aprendia. O convívio com meu pai foi bom por isso, aprendi muito. Certa ocasião, nossa casa era pobre e tinha que fazer uma viga em cima para mexer em baixo, uma pequena reforma. Eu subi no telhado, medi tudo, fiz a viga no quintal, coloquei a viga no telhado e o reforço no telhado e, embaixo, rebocamos e eu aprendi com ele. Quando eu era solteiro meu pai era pintor letrista, ele ainda não pintava quadros, mas fazia letreiros. Ele tinha uma oficina e muito conhecimento com os políticos. Eu me lembro dele pintando os quadros até eu ter 15 anos. Depois que comecei a trabalhar, não acompanhei mais”, lembra.
Flávio se lembra de alguns momentos importantes da vida do pai, como pintor, que só após os 68 anos, quando parou de fazer letreiros, resolveu dedicar-se de corpo e alma ao ofício de artista plástico. “Antes disso, aos 60 anos após a descoberta de um câncer de pulmão, ele voltou a pintar. Ele já fazia algumas paisagens, depois quando ele perdeu o serviço de letrista se envolveu mais com a pintura. Felisberto sempre gostou de pintar paisagens, o que era inicialmente um hobby. Ele fez mais de 50 pinturas e quando morou em Ribeirão Pires, pintou o que ele se lembrava, (isto é, pintou paisagens de São Caetano, de memória). Somando todos os quadros, ele fez mais de 50. Ele tinha interesse de pintar os quadros e doar para a cidade.
Uma vez ele fez uma vela gigante e colocaram essa vela no viaduto da Estação ferroviária de São Caetano. Meu pai morreu com 74 anos, ainda pintando”, conta Flávio.




         Como Flávio começou cedo a trabalhar como metalúrgico em empresas da região diminuiu seu contato com o pai. Assim, seu irmão Danilo foi quem mais conviveu com o artista. “Trabalhei seis anos com ele, dos 14 aos 21. Ele fazia de tudo. Quando nos mudamos para a Rua Heloisa Pamplona, na Galeria, aprendi a profissão de letrista. Fiquei 26 anos lá, trabalhava todos os dias e fazendo as letras aos poucos. Meu pai era um homem muito bom com a família. Não bebia, sabia educar os filhos. Ele ficava o tempo todo trabalhando. Minha mãe tinha uma Escola de Corte e Costura. Ele criava mesmo, tinha dom para isso. Fazia paisagens, objetos de Natal, seu talento era bem diversificado. Algumas vezes mostrava-se meio desanimado, deprimido. Ele chegou a oferecer quadros para o Prefeito que não quis aceitar. Apenas o Prefeito Luís O. Tortorello comprou alguns quadros. Mas a sua primeira exposição foi na loja Três Irmãos. Felisberto era muito organizado, marcava tudo, anotava o nome de cada quadro, o que tinha e descrevia a pintura. Ele trabalhava em óleo e tela. Flávio, eu me lembro de ter ido com ele comprar o material.”, relata.


            Boa parte das cenas retratadas nos quadros de Felisberto se referem às cenas do cotidiano e as paisagens de São Caetano, mas também traziam referências de outras partes do mundo, como da Suécia. Flávio conta que um dia, uma senhora lhe trouxe fotos de paisagens de lá. Gostou tanto que fez uma reprodução de uma delas em um dos quadros e o doou à mulher. “Ele gostava de pintar paisagens. Olhava as revistas com paisagens e se inspirava nestas imagens. Outro prazer de meu pai era contar as histórias. Ele relatava que durante a revolução de 30 ninguém podia sair às ruas, e que os trens circulavam cheios de mortos”, relembra.
            Além do dom da pintura, Danilo e Flávio se lembram do jeito do pai. “Eu me lembro de meu pai muito sério, concentrado. Uma situação marcou a parceria com o pai. Um dia, tinha um caibro grande, ele foi colocar esse caibro lá, me lembro de ter pintado esses sarrafos. Ele dizia para eu ir aprendendo, olhando, observando. Eu via que ele tinha mão firme, fazia direto, era um artista, já sabia que ia dar certo as letras do letreiro. Antigamente não se ganhava dinheiro, a gente fazia o trabalho por amor. Meu pai não ganhou dinheiro com esse trabalho. O que aprendemos, o que somos hoje é o que ele era. Os meus pais eram trabalhadores, persistentes e perfeccionistas”, finaliza Flávio.



*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora do livro Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora UCG.





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