Ernesto Cavagnoli, 65 anos, há 42 como motorista de táxi, do Ponto de Táxi da Rua. Manoel Coelho, Bairro Santo Antônio
Por: Priscila Gorzoni
Foto/ Priscila Gorzoni
Em uma família de taxistas
Ernesto
Cavagnoli,
65 anos, há 42 como motorista de táxi, nasceu em uma família de taxistas. Os irmãos,
filhos, sobrinhos são taxistas e quem começou tudo foi o pai de Ernesto,
Ricieri Cavagnoli,
que tinha um Ponto de Táxi na Praça da Sé, em São Paulo.
Com
o pai, Ernesto pegou o gosto pela profissão de taxista. “Ele contava muitas
coisas, entre elas a de que naquela época se faziam muitos casamentos. Quando o
contratavam para fazer o serviço eu tinha que colocar rendas dentro do carro
para receber a noiva. O taxista andava uniformizado com uma calça marrom,
camisa bege, quepe na cabeça com a sua numeração. Fora isso era uma classe mais
unida, embora menos numerosa. Hoje somos mais mas é cada um por si, não tem
união,” conta.
Para
sustentar a família Ricieri trabalhava de dia na General Motors (GM) e a noite no
Ponto. Com o objetivo de auxiliá-lo o filho fazia o que era possível, tirava o
carro da garagem, o limpava, e aproveitava para dar uma voltinha. Ernesto conta
que dava trabalho tirar o carro do pai porque antigamente as ruas da cidade
eram todas de barro e era preciso colocar correntes para que ele não afundasse
na lama. “Foi nessa época, aos 14 anos que comecei a dirigir escondido.
Tornei-me motorista aos 18 e me aperfeiçoei na profissão. Quando comecei na
praça a documentação era outra, existia menos exigência. A cidade não tinha
essa população e os carros eram velhos.
No
começo sempre há um lugar estranho para se conhecer então sou daquela opinião
você sempre aprende novos caminhos. Era uma época boa, as pessoas nos
respeitavam mais.
Hoje
infelizmente tem muita gente que fala mal dos taxistas, que é mulherengo,
marginal, e olha depois de todos esses anos de praça as pessoas estão muito enganadas.
Criei uma família com o táxi, não podemos nos envolver em nada de ilícito, não
somos bandidos.”
Nesses
anos todos Ernesto reuniu milhares de histórias marcantes, entre elas os vinte
assaltos sofridos. “Tudo o que você analisar já aconteceu e levei. De mulher
que persegue o marido a bandido feio. Não posso escolher. Há um tempo levei um
assaltante de banco e ele me disse: “Estamos indo para uma reunião agora”. Era 1
hora da manhã. Você ouvir isso 1 hora da manhã como fica? Não é fácil. Já levei
pessoa bêbada, ferida, em fase terminal com feridas expostas. Você vai dizer o
que? Tem que ser frio também. Uma vez peguei um passageiro que pediu para ir a
indústria Saad aqui de São Caetano do Sul. O homem estava revoltado, ficava
falando que eu queria passear com ele. Eu dizia que não, ele então sacou o
revolver e me perguntou se eu tinha coragem de cobrá-lo, eu falei que não. Ele
entrou na fábrica, falou aguarda um minuto, saiu do outro lado e sumiu, não me pagou.
Tem as histórias alegres, me lembro uma vez de uma mãe que ia ganhar um nenê.
Corri para chegar ao hospital a tempo. Chegando lá coloquei-a na maca e o nenê
nasceu.”
Mas
existem casos bem misteriosos que marcaram a trajetória do taxista, entre eles a
de um senhor. “Teve um caso que fiquei apavorado e eu estava vindo de Santo
André para São Caetano do Sul era mais ou menos entre 24 horas a 1 hora da
manhã. De repente olhei na Avenida D. Pedro e vi um senhor vindo de carro bem
devagar, bateu na guia e parou. Parei o meu carro e fui lá socorrer o senhor.
Ele levantou o rosto e disse: “Me deram uma facada”. Ele estava todo sujo de
sangue, e resolvi levá-lo até o hospital. No outro dia voltei e expliquei que
havia deixado lá um senhor claro, forte e esfaqueado. A recepcionista disse que
ele havia falecido. Quando voltei para o meu Ponto me disseram que a polícia
estava me esperando. Eles então me convidaram para vir até a delegacia prestar
alguns esclarecimentos. Cheguei na sala, o delegado me recebeu e perguntou:
Como é que foi lá Seu Ernesto? Eu então contei o que aconteceu. E ele então me
perguntou: Você não viu nada de estranho? Eu disse que não, só vi o que contei
e havia uma moça quieta sentada em um dos cantos da sala. Me chamaram novamente
dali a 15 dias e o delegado novamente pediu para eu contar o que havia
acontecido e disse: “Essa moça aqui é filha daquele senhor que você deixou no
hospital. Eu disse: “Filha, eu tentei o melhor que pude pelo seu pai, mas não
tinha nada que pudesse fazer”. Ela então me perguntou se tinha alguma coisa
para pagar. Eu disse que não. Ela me contou: O meu pai foi comprar um presente
para a minha filha em Santo André, em Utinga e alguém o esfaqueou. Ela então
virou para mim e disse: Seu Ernesto acho que o senhor deixou cair o seu relógio
no carro e eu vim trazê-lo. Eu falei: Filha deixa eu te falar uma coisa, não
uso nada, nem aliança, relógio e joia. Ela então me contou o que realmente
houve: “Senhor Ernesto está tendo um roubo grande na Empresa Villares por um dos
diretores e o meu pai veio para o Brasil investigar quem é o dono do roubo e
esse relógio é dele, conforme foi se defender meu pai o arrancou de seu pulso.
Então nós já desvendamos quem matou o meu pai”.
*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela
Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito
pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de
Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É
autora de 11 livros, entre eles Abre as portas para os Santos Reis da Editora
Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores
que benzem com as mãos da editora UCG.
Nenhum comentário:
Postar um comentário