quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Personagens de São Caetano do Sul
Flávio De Nardi, 57 anos.
Por: Priscila Gorzoni 
Felisberto Antônio De Nardi: A poética das tintas




Assim que chegou ao Centro de Documentação, Flávio De Nardi, 57 anos, filho do artista plástico Felisberto Antônio De Nardi, nascido em São Caetano do Sul, foi logo mostrando um álbum com fotografias das pinturas do pai.
As pinturas singelas de Felisberto De Nardi são verdadeiras poesias, retratos de uma São Caetano verde, bucólica, com aquele toque rural. O artista tem talento para contar a história da cidade, por meio de seus quadros e paisagens. Gostava de guardar as paisagens na memória, em especial as cenas urbanas que via na Rua Ceará, 85, no Bairro da Fundação e também as cenas saudosas da Rua Heloísa Pamplona, onde morou por muitos anos, com a esposa, Leonor De Nardi e seus quatro filhos: Flávio, Rúbia, Flúvia (falecida com 54 anos) e Danilo. Felisberto era filho de Stéfano De Nardi e Celeste De Nardi, um dos primeiros casais de imigrantes italianos a chegarem no Núcleo Colonial de São Caetano.
O objetivo da entrevista era, justamente, pedir que Flávio contasse um pouco de sua história com o pai, Felisberto. E ele veio realmente disposto a cumprir essa tarefa. Para ajudar na narrativa, Flávio veio acompanhado do  irmão, Danilo De Nardi, 54 anos, aposentado e que conviveu mais tempo com Felisberto.


 Danilo chegou a trabalhar com o pai como letrista, por muitos anos. “Na infância aprendi muitas coisas com meu pai, até mexer com reformas. Só de olhar eu já aprendia. O convívio com meu pai foi bom por isso, aprendi muito. Certa ocasião, nossa casa era pobre e tinha que fazer uma viga em cima para mexer em baixo, uma pequena reforma. Eu subi no telhado, medi tudo, fiz a viga no quintal, coloquei a viga no telhado e o reforço no telhado e, embaixo, rebocamos e eu aprendi com ele. Quando eu era solteiro meu pai era pintor letrista, ele ainda não pintava quadros, mas fazia letreiros. Ele tinha uma oficina e muito conhecimento com os políticos. Eu me lembro dele pintando os quadros até eu ter 15 anos. Depois que comecei a trabalhar, não acompanhei mais”, lembra.
Flávio se lembra de alguns momentos importantes da vida do pai, como pintor, que só após os 68 anos, quando parou de fazer letreiros, resolveu dedicar-se de corpo e alma ao ofício de artista plástico. “Antes disso, aos 60 anos após a descoberta de um câncer de pulmão, ele voltou a pintar. Ele já fazia algumas paisagens, depois quando ele perdeu o serviço de letrista se envolveu mais com a pintura. Felisberto sempre gostou de pintar paisagens, o que era inicialmente um hobby. Ele fez mais de 50 pinturas e quando morou em Ribeirão Pires, pintou o que ele se lembrava, (isto é, pintou paisagens de São Caetano, de memória). Somando todos os quadros, ele fez mais de 50. Ele tinha interesse de pintar os quadros e doar para a cidade.
Uma vez ele fez uma vela gigante e colocaram essa vela no viaduto da Estação ferroviária de São Caetano. Meu pai morreu com 74 anos, ainda pintando”, conta Flávio.




         Como Flávio começou cedo a trabalhar como metalúrgico em empresas da região diminuiu seu contato com o pai. Assim, seu irmão Danilo foi quem mais conviveu com o artista. “Trabalhei seis anos com ele, dos 14 aos 21. Ele fazia de tudo. Quando nos mudamos para a Rua Heloisa Pamplona, na Galeria, aprendi a profissão de letrista. Fiquei 26 anos lá, trabalhava todos os dias e fazendo as letras aos poucos. Meu pai era um homem muito bom com a família. Não bebia, sabia educar os filhos. Ele ficava o tempo todo trabalhando. Minha mãe tinha uma Escola de Corte e Costura. Ele criava mesmo, tinha dom para isso. Fazia paisagens, objetos de Natal, seu talento era bem diversificado. Algumas vezes mostrava-se meio desanimado, deprimido. Ele chegou a oferecer quadros para o Prefeito que não quis aceitar. Apenas o Prefeito Luís O. Tortorello comprou alguns quadros. Mas a sua primeira exposição foi na loja Três Irmãos. Felisberto era muito organizado, marcava tudo, anotava o nome de cada quadro, o que tinha e descrevia a pintura. Ele trabalhava em óleo e tela. Flávio, eu me lembro de ter ido com ele comprar o material.”, relata.


            Boa parte das cenas retratadas nos quadros de Felisberto se referem às cenas do cotidiano e as paisagens de São Caetano, mas também traziam referências de outras partes do mundo, como da Suécia. Flávio conta que um dia, uma senhora lhe trouxe fotos de paisagens de lá. Gostou tanto que fez uma reprodução de uma delas em um dos quadros e o doou à mulher. “Ele gostava de pintar paisagens. Olhava as revistas com paisagens e se inspirava nestas imagens. Outro prazer de meu pai era contar as histórias. Ele relatava que durante a revolução de 30 ninguém podia sair às ruas, e que os trens circulavam cheios de mortos”, relembra.
            Além do dom da pintura, Danilo e Flávio se lembram do jeito do pai. “Eu me lembro de meu pai muito sério, concentrado. Uma situação marcou a parceria com o pai. Um dia, tinha um caibro grande, ele foi colocar esse caibro lá, me lembro de ter pintado esses sarrafos. Ele dizia para eu ir aprendendo, olhando, observando. Eu via que ele tinha mão firme, fazia direto, era um artista, já sabia que ia dar certo as letras do letreiro. Antigamente não se ganhava dinheiro, a gente fazia o trabalho por amor. Meu pai não ganhou dinheiro com esse trabalho. O que aprendemos, o que somos hoje é o que ele era. Os meus pais eram trabalhadores, persistentes e perfeccionistas”, finaliza Flávio.



*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora do livro Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora UCG.





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