Flávio De Nardi, 57 anos.
Por: Priscila Gorzoni
Felisberto Antônio De Nardi: A poética das tintas
Assim
que chegou ao Centro de Documentação, Flávio De Nardi, 57 anos, filho do
artista plástico Felisberto Antônio De Nardi, nascido em São Caetano do Sul,
foi logo mostrando um álbum com fotografias das pinturas do pai.
As
pinturas singelas de Felisberto De Nardi são verdadeiras poesias, retratos de
uma São Caetano verde, bucólica, com aquele toque rural. O artista tem talento para
contar a história da cidade, por meio de seus quadros e paisagens. Gostava de
guardar as paisagens na memória, em especial as cenas urbanas que via na Rua
Ceará, 85, no Bairro da Fundação e também as cenas saudosas da Rua Heloísa
Pamplona, onde morou por muitos anos, com a esposa, Leonor De Nardi e seus quatro
filhos: Flávio, Rúbia, Flúvia (falecida com 54 anos) e Danilo. Felisberto era
filho de Stéfano De Nardi e Celeste De Nardi, um dos primeiros casais de
imigrantes italianos a chegarem no Núcleo Colonial de São Caetano.
O
objetivo da entrevista era, justamente, pedir que Flávio contasse um pouco de
sua história com o pai, Felisberto. E ele veio realmente disposto a cumprir
essa tarefa. Para ajudar na narrativa, Flávio veio acompanhado do irmão, Danilo De Nardi, 54 anos, aposentado e
que conviveu mais tempo com Felisberto.
Danilo chegou a trabalhar com o pai como
letrista, por muitos anos. “Na infância
aprendi muitas coisas com meu pai, até mexer com reformas. Só de olhar eu já
aprendia. O convívio com meu pai foi bom por isso, aprendi muito. Certa
ocasião, nossa casa era pobre e tinha que fazer uma viga em cima para mexer em
baixo, uma pequena reforma. Eu subi no telhado, medi tudo, fiz a viga no
quintal, coloquei a viga no telhado e o reforço no telhado e, embaixo,
rebocamos e eu aprendi com ele. Quando eu era solteiro meu pai era pintor
letrista, ele ainda não pintava quadros, mas fazia letreiros. Ele tinha uma oficina
e muito conhecimento com os políticos. Eu me lembro dele pintando os quadros
até eu ter 15 anos. Depois que comecei a trabalhar, não acompanhei mais”, lembra.
Flávio
se lembra de alguns momentos importantes da vida do pai, como pintor, que só
após os 68 anos, quando parou de fazer letreiros, resolveu dedicar-se de corpo
e alma ao ofício de artista plástico. “Antes
disso, aos 60 anos após a descoberta de um câncer de pulmão, ele voltou a
pintar. Ele já fazia algumas paisagens, depois quando ele perdeu o serviço de
letrista se envolveu mais com a pintura. Felisberto sempre gostou de pintar
paisagens, o que era inicialmente um hobby. Ele fez mais de 50 pinturas e
quando morou em Ribeirão Pires, pintou o que ele se lembrava, (isto é,
pintou paisagens de São Caetano, de memória).
Somando todos os quadros, ele fez mais de 50. Ele tinha interesse de pintar os
quadros e doar para a cidade.
Uma
vez ele fez uma vela gigante e colocaram essa vela no viaduto da Estação ferroviária
de São Caetano. Meu pai morreu com 74 anos, ainda pintando”,
conta Flávio.
Como Flávio começou cedo a trabalhar como metalúrgico em
empresas da região diminuiu seu contato com o pai. Assim, seu irmão Danilo foi
quem mais conviveu com o artista. “Trabalhei
seis anos com ele, dos 14 aos 21. Ele fazia de tudo. Quando nos mudamos para a
Rua Heloisa Pamplona, na Galeria, aprendi a profissão de letrista. Fiquei 26
anos lá, trabalhava todos os dias e fazendo as letras aos poucos. Meu pai era
um homem muito bom com a família. Não bebia, sabia educar os filhos. Ele ficava
o tempo todo trabalhando. Minha mãe tinha uma Escola de Corte e Costura. Ele
criava mesmo, tinha dom para isso. Fazia paisagens, objetos de Natal, seu
talento era bem diversificado. Algumas vezes mostrava-se meio desanimado, deprimido.
Ele chegou a oferecer quadros para o Prefeito que não quis aceitar. Apenas o
Prefeito Luís O. Tortorello comprou alguns quadros. Mas a sua primeira
exposição foi na loja Três Irmãos. Felisberto era muito organizado, marcava
tudo, anotava o nome de cada quadro, o que tinha e descrevia a pintura. Ele
trabalhava em óleo e tela. Flávio, eu me lembro de ter ido com ele comprar o
material.”, relata.
Boa parte das cenas retratadas nos quadros de Felisberto
se referem às cenas do cotidiano e as paisagens de São Caetano, mas também
traziam referências de outras partes do mundo, como da Suécia. Flávio conta que
um dia, uma senhora lhe trouxe fotos de paisagens de lá. Gostou tanto que fez
uma reprodução de uma delas em um dos quadros e o doou à mulher. “Ele gostava de pintar paisagens. Olhava as
revistas com paisagens e se inspirava nestas imagens. Outro prazer de meu pai
era contar as histórias. Ele relatava que durante a revolução de 30 ninguém
podia sair às ruas, e que os trens circulavam cheios de mortos”, relembra.
Além do dom da pintura, Danilo e Flávio se lembram do
jeito do pai. “Eu me lembro de meu pai muito sério, concentrado. Uma situação
marcou a parceria com o pai. Um dia, tinha um caibro grande, ele foi colocar
esse caibro lá, me lembro de ter pintado esses sarrafos. Ele dizia para eu ir aprendendo, olhando, observando. Eu via que ele
tinha mão firme, fazia direto, era um artista, já sabia que ia dar certo as
letras do letreiro. Antigamente não se ganhava dinheiro, a gente fazia o trabalho
por amor. Meu pai não ganhou dinheiro com esse trabalho. O que aprendemos, o que
somos hoje é o que ele era. Os meus pais eram trabalhadores, persistentes e perfeccionistas”,
finaliza Flávio.
*É
jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade
Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie,
tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de
São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora do livro Abre as
portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas
Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora
UCG.
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