terça-feira, 17 de novembro de 2015

Ao som da folia de reis em São Caetano do Sul

Textos e fotos: Priscila Gorzoni*





Ó de casa, nobre gente,
  Escutai e ouvireis,
Lá das bandas do Oriente
São chegados os três Reis!

(trecho retirado de Festas
e Tradições Populares do Brasil,
Melo Morais Filho)


Muitos doces e quitandas para festejar a chegada do Dia dos Santos Reis. Os grupos de folia andam durante vários dias e cantam: “Ó de casa, nobre gente, Escutai e ouvireis, Lá das bandas do Oriente, São Chegados os três Reis”...Eles levam o colorido em dezembro para as casas dos moradores de São Caetano, com o intuito de contar o nascimento de Jesus e o significado do Natal.

A primeira vez que vi um grupo de folia de reis, em ação, foi no sul de Minas Gerais. Era então um dia tranquilo, 26 de dezembro, quando ouvi um som de viola, o toque de sanfona e vários homens vestidos com roupas coloridas, três deles dançando na frente do grupo os quais com seus trejeitos e movimentos, assustavam as crianças da cidade.

Descobri que estes eram os “marungos”, cuja função era assustar mesmo. Depois deste grupo avistei outros, eles se espalhavam pela cidade toda e vinham de todas as partes. Cada um com uma bandeira diferente, todas celebrando a visita dos Três Reis Magos e o nascimento de Jesus Cristo. As roupas, de um colorido variado e as músicas com falas especiais. Cada grupo ia passando em frente de uma casa, pedindo licença para entrar e cantar em frente do Presépio. Quem ia na frente pedir licença para a entrada do grupo, era o marungo, ou palhaço. Permitida a entrada na casa, o grupo sacava da viola e começava a entoar a música e cantar seus versos. Entravam cantando, na casa e, em frente do Presépio continuava a cantoria. Isso se repetia nas outras casas e durava o dia inteiro e, as andanças, continuavam até o dia 6 de janeiro, quando era feita a última festa, a Festa da chegada!

O pessoal enfeitava as ruas e os participantes do grupo compravam doces caseiros com o dinheiro angariado nas andanças, para distribuir às crianças que se encontravam na casa ou que acompanhavam a bandeira. Aqui em São Caetano procurei grupos de folia de reis, mas só que ouvia era o desconhecimento de sua existência. Em 2006, após uma caçada sem tréguas, encontrei um grupo que voltava a atuar na função. Eles haviam acabado de formar uma equipe e confeccionar uma nova bandeira. Afinal, grupo de folia de reis sem bandeira, não existe. A bandeira é fundamental, no evento.
Fui a alguns ensaios do grupo que se iniciaram no final de novembro e inicio de dezembro. O ensaio é feito na casa do festeiro, ou dono da “promessa”.




A origem remota da Folia de Reis

Não se sabe ao certo quando nasceu a folia de reis no mundo. Provavelmente foi na Idade Média. Mas, desde os tempos mais remotos, a festa popular dedicada à visita dos três Reis Magos, vindos para ver e conhecer o Deus-Menino, que é comemorada no dia 6 de janeiro em toda a Europa, especialmente em Portugal, França, Espanha, Bélgica, Alemanha e Itália.
A manifestação é considerada um Auto Popular, profano-religioso, pertencente ao ciclo natalino, formado por um grupo de músicos, cantadores e dançadores, que vão de porta em porta anunciar a chegada do Messias e homenagear os Três Reis Magos. Em Portugal a Folia é chamada também de reisado e reiseiros, que tanto pode ser o cortejo de pedintes cantando versos religiosos, como cantos sacros com motivos sagrados da história do nascimento de Cristo.

No Brasil a folia é constituída por grupos, exclusivamente masculinos, de músicos e cantadores que percorrem as ruas da cidade, sítios e fazendas, geralmente entre os dias 20 de dezembro e 6 de janeiro, comemorando o nascimento de Jesus Cristo e cantando em louvor do Deus-Menino. Fazem parte desse roteiro as visitas às casas, de açodo (de surpresa), sem prévio aviso, mas com acordo pré-determinado: chegada, pedido de licença, agradecimento e despedida. Se a porta não for aberta, depois de insistir, o grupo se retira cantando um desagravo.

O Terno de Reis é acompanhado por sanfona, rabeca, caixa e, no nordeste, inclui pífanos (flautas de madeira). Em algumas localidades como Encruzilhada, interior de São Paulo, é costume as crianças saírem às ruas com os rotos pintados de carvão, vestindo sacos e com panos nas cabeças para pedir ´reis`.




 Pelo Brasil

No interior do Brasil, vários grupos saem pelas ruas da cidade e casas da roça com instrumentos musicais, tocando, dançando, cantando versos religiosos sobre a Natividade, os Reis Magos e os Pastores, a caminho de Belém. Os participantes vestem-se de calça ou saiote, com guarda-peito. Portam espelhinhos e fitas coloridas. Na frente do grupo, vão os marungos ou palhaços, usando máscaras e roupas coloridas. Sua função é distrair o Rei Herodes, para permitir a visita dos Reis Magos a Jesus-Menino. E, atrás deles, vão os cantadores e tocadores de viola, sanfona, rabeca, caixa, adufe e triângulo.

Em algumas regiões como o Nordeste incluem-se entre os instrumentos básicos, os pífaros. Em outras localidades como Encruzilhada, no interior de São Paulo, as crianças saem às ruas com os rostos pintados de carvão, vestindo sacos com panos na cabeça e pedindo doces. Todos passam de casa em casa louvando com o seu canto o nascimento de Cristo.

O reisado ou Folia de Reis pode ser apenas a cantoria como também possuir enredos ou uma série de pequenos atos encadeados ou não. Mas geralmente ela segue um roteiro pré-determinado: a canção de chegada, de pedido, de licença, agradecimento (para a doação recebida) e a despedida.

A Folia de Reis também cumpre uma função cultural histórica, através de suas performances os participantes anunciam a chegada do Messias e homenageiam os três Reis Magos. No norte do Brasil, o Dia de Reis marca o final do ciclo de Natal. Na cidade de Natal há uma festa muito concorrida na capela dos Reis Magos é chamada de Limpa, onde são veneradas as imagens que estavam no Forte dos Reis Magos enviadas por El-Rei Dom José em 1725.




Embora existam algumas diferenças de uma região para a outra, no Brasil a folia de Reis começa a partir do dia 25 e vai até o dia 6 de janeiro. Entre um dos aspectos mais importantes da festividade está o da promessa, sem ela o grupo não sai. Algum conhecido procura o grupo da folia e pede para sair em prol de sua promessa, que pode ser um agradecimento ou o pedido de cura de uma doença na família. Os pedidos nunca são rejeitados e Santo Reis, que é forte.


Em São Caetano do Sul

O sábado amanheceu chuvoso e frio. Como boa parte dos sábados do inicio de dezembro. Em uma das casas da Vila São José o churrasco já está adiantado e a fumaceira se avista no inicio da rua. A dona da casa e seus filhos colocaram bandeirinhas coloridas para receber a Companhia de Santa Cecília. Eles saem toda hora no portão para ver se o carro com os foliões chegou. Mas nada.

A chuva fina começa a cair e causa preocupação. Não demora muito e os primeiros começam a chegar. A dona da casa e festeira Sandra Regina de Oliveira Rocha, 48 anos, vem receber na porta de sua casa os foliões. Desde pequena Sandra tem contato com a folia de reis, ela conta que existiam inclusive outros grupos de folias na cidade, mas é a primeira vez que uma companhia de reis vem a sua casa. “Nos anos 70, a minha família recebia os grupos de folias de reis em casa. Eles fizeram o convite no ano passado e para mim isso foi uma honra enorme. Para ser festeiro é preciso receber o grupo em casa, acompanhar a reza e o acolhimento da bandeira”, relata Sandra.

Nesse ano, Sandra contou com a ajuda de toda a família na confecção da comida. Escolheram o churrasco por ser mais rápido e prático e se programaram para o almoço desde o começo do ano.
Diferente das cidades pequenas, que geralmente saem para cantar nos dias 24 de dezembro, nas cidades maiores os dias são fixados conforme a disponibilidade dos componentes do grupo. Esse é o caso da Companhia de Reis de Santa Cecília, o único grupo de reis de São Caetano. Os componentes já saiam com outros grupos, mas há um ano formaram o grupo e passaram a sair em São Caetano.

Acostumados com a correria e as andanças, eles resolveram sair no dia 17 de dezembro porque é a data mais próxima do dia 25 e todos os componentes estão disponíveis. “Como todos trabalham cantamos nas casas das pessoas durante a semana das 19 às 22 horas e nos finais de semana o dia todo”, relata Wilson Maria, 60 anos, desde os 9 na folia e atual embaixador da Companhia de Santa Cecília de São Caetano do Sul. A chegada acontece no dia 6 de janeiro na casa dos festeiros, casal dono da promessa e a festa da chegada acontece em janeiro, esse ano no Clube Águias de São Caetano, ali serão distribuídos os quitutes comprados com o dinheiro angariado nas andanças.

O grupo tem 12 participantes, entre eles: três marungos, sete cantores e dois tocadores. Nos bons tempos de São Caetano, havia mais de 6 companhias na cidade (duas da Vila Gerty, uma da Boa Vista e Fundação). As novas gerações não conhecem a tradição da folia por isso ela está ficando para trás. “A Folia de Reis existe em São Caetano desde o inicio da década de 50 com a formação do grupo Folia de Reis da Vila Gerti que contou com a liderança de Olegário Guerra”.

Seu Olegário é falecido, era natural de Três Corações chegou em São Caetano em busca de emprego no final da década de 40 e para cá trouxe a tradição da folia de reis. “Quando cheguei aqui vinha grupo de fora do Baeta Neves e de São Paulo. Acabei fazendo amizade com o pessoal e me animei a formar um grupo com moradores da cidade. O grupo permaneceu até 2004”, relatou em uma das entrevistas que fiz com ele quando ainda era vivo.

Seu Olegário se lembrava de como era a cidade naquela época e as dificuldades de ir de um lugar para outro. “Era tudo barro, quando cheguei o bairro Vila Gerti tinha poucas casas e em época de chuva era um barro só. Não tinha carro, então muitas vezes a gente ia cantar nos lugares de caminhão ou à pé mesmo. Mas era bom, o pessoal vivia em harmonia e tinha muito respeito pelos mais velhos. Nós entravamos em qualquer lugar e era aquela Fé”, lembrava.

Ele faleceu há alguns anos, mas antes disso me deu longas entrevistas contando um pouco de como era o inicio. Ele dizia: “Sempre tive muita fé nos Santos Reis, já pedi muita coisa para ele e consegui. É preciso continuar a tradição, mas seguir corretamente as regras. A principal delas é o respeito e Santos Reis no coração”, finalizava.

           
BOX

No final da década de 40 São Caetano começa a se industrializar. Perdia o seu caráter rural para entrar em uma nova era a moderna das grandes fábricas e mão-de-obra migrante. Atraídos por esse crescimento de emprego nas industrias milhares de migrantes vindos de todas as partes do Brasil, especialmente Sul de Minas Gerais e o interior de São Paulo mudam a paisagem da cidade. Os migrantes mineiros trazem sua mão de obra mas não apenas isso, carregam seus sonhos, costumes, lazeres e manifestações folclóricas. A história da Folia de Reis em São Caetano coincide com a chegada dos mineiros do sul e a industrialização. Outro aspecto importante é que as populações vindas do sul de minas e interior de São Paulo nessa época se concentraram em alguns bairros da cidade, como a Vila Gerti, São José, divisa com Vila Palmares. Segundo relatos dos participantes mais antigos em 1948 já existia Folia de Reis em São Caetano. O primeiro grupo de folia de Reis formado em São Caetano contou com a participação de alguns moradores da cidade e de São Paulo. Naquela época participavam da folia de São Caetano Pavão do Norte (Sebastião), Tangará (Geraldo Soares), João Pedro, Joaquim Marciliano e seus irmãos, Mané Matias, José Honorato Moreira, José Miguel Vilaça, Chico Carro. A partir do final da década de 1948 Chico Carro fez amizade com os foliões de São Caetano que já pretendiam montar uma Companhia aqui e acabou se unindo ao pessoal da Vila Inhocunhé, Pirituba.


Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni


(ESSE TEXTO NÃO PODE SER COPIADO SEM OS DEVIDOS CRÉDITOS DE AUTORIA, CONFORME A LEGISLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS LEI 9610, de 19 de fevereiro de 1998, "Dos Direitos Morais do Autor", Artigo 24, Inciso II. POR FAVOR, NÃO COPIEM, COMPARTILHEM O LINK. OBRIGADA)

Fonte: Abre as portas para os Santos Reis.



*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É autora do livro Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que benzem com as mãos da editora UCG.

Referências


GORZONI, Priscila. Abre as portas para os Santos Reis, Editora Fundação Pró-Memória, São Caetano do Sul, SP, 2007.





Para saber mais:   http://promemoriasaocaetano.blogspot.com.br/ 

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