Lugares curiosos
O Túmulo da menina
NevesPor: Priscila Gorzoni
Foto/crédito: Priscila Gorzoni
Em
todos os cantos do mundo existem lugares inusitados. Locais que destoam do
tempo, guardam segredos, mistérios ou que parecem esquecidos de uma época. As
metrópoles escondem esses locais, que muitas vezes passam despercebidos em
nossa vida acelerada. Esses locais podem ser chamados de lugares de memória[i],
que são antes de tudo, restos. Eles nascem e vivem do sentimento de que não há memória espontânea, que é
preciso criar arquivos, manter aniversários, organizar celebrações, entre
outros acontecimentos. Também podemos chamar esses locais de ilhas de passado
conservadas[ii]
Conhecer
um pouco destes locais é entrar nos lugares da memória ou nas ilhas de passado
conservadas. É uma experiência fundamental para compreender a história e a
memória da cidade e dos moradores que viveram ali.
Em
São Paulo encontramos vários destes pontos como, por exemplo, o Cemitério da Consolação.
Como escreveria o sociólogo José de Souza Martins, em História da arte no
cemitério da Consolação: “O cemitério da
Consolação é um espelho em que os vivos se refletem e se encontram na memória
dos mortos. Ali, no silêncio definitivo, podem os mortos ser interrogados e
compreendidos no seu legado a este país e a São Paulo, estado e cidade”.
Estendo
essa análise aos demais cemitérios, entre eles, o Cemitério da Saudade, no
Bairro da Cerâmica, que foi criado no dia 3 de outubro de 1932.
Esse foi o segundo cemitério criado em São Caetano do Sul e é também o maior.
Não é um cemitério apenas de túmulos, mas de gavetas, gavetões e jazigos. Em
dia de movimento, esse cemitério pode até receber 30 mil visitantes!
Nas
décadas de 1930, era comum no Bairro São José, ser avistadas procissões de
caixões. Os familiares e parentes dos mortos andavam quilômetros a pé
carregando o o esquife com o falecido. Em alguns momentos paravam deixavam o
caixão no chão e tomavam água no bar. Depois, retomavam a via sacra, carregando
o caixão que se destinava ao cemitério.
Alguns pormenores
são dignos de nota no Cemitério da Saudade, um deles é o Túmulo da menina
Neves, um dos mais visitados. Chegam pessoas de várias partes de
São Paulo, em busca de graças e milagres para suas aflições. Por isso esse
túmulo despertou-me maior interesse. Estive
neste cemitério fotografando e coletando histórias. Algumas vezes encontrei
pessoas notórias e variadas, de visita à Capela da Família Ribeiro. Ela fica
bem próxima da Capela do Cemitério e está sempre limpa e com flores frescas,
sempre bonita.
Para os que não sabem, o cemitério da Saudade surgiu da
desapropriação do Ato 17, de 9 de julho de 1931, assinado pelo Prefeito-intenventor,
Armando Setti. Era uma área de 20 metros quadrados, dentro do imóvel “Meninos e
Meninos Novo”, na época situada no Bairro da Cerâmica, que, hoje, faz parte do
Bairro São José.
O
primeiro nome dado ao Cemitério da Saudade foi Necrópole da Saudade,i dado ao Cemitério
no dia 3 de outubro de 1932, por meio do Ato 38, do mesmo Prefeito Armando
Setti, de São Bernardo.
O Bairro São José é cercado de religiosidade e histórias.
Uma delas é a da Menina Neves Nascimento Ribeiro, que morreu aos 11 anos de
idade de tétano. Sua mãe, Rosalina do Nascimento Ribeiro ficou desesperada. Em
menos de um mês, depois, Rosalina reencontrou a filha em uma sessão espírita,
dizendo que estava feliz ao lado de Nossa Senhora. Era então ano de 1948. Neste
encontro Rosalina contou que a filha pediu para a mãe construir uma capela para
ela e relatou que estava fazendo milagres com Nossa Senhora. Sua fama
ultrapassou fronteiras e, até hoje, a Capela é muito visitada. Pois, de acordo
com os moradores vizinhos, milagres passaram a acontecer dias depois.
Em 1948, os pais da garota Neves doaram um terreno de 18
m por 30 metros, para a construção da Igreja do Bairro. O pai da menina Neves,
Adelino Ribeiro, morreu em 1951, ano em que as paredes da igreja prometida à
filha estavam sendo erguidas. Sem a presença de Adelino, Rosalina deu
continuidade ao empreendimento e recebeu a ajuda de toda a coletividade, que em
sistema de mutirão ajudou a levantar a Paróquia Sagrado Coração de Jesus que
fica na Rua Padre Mororó, no Bairro São José.
Box: Os cemitérios
Desde
o final do século XVIII, mantinha-se o costume de enterrar corpos no interior
das igrejas, pois esse era considerado um solo sagrado. Mas, tal costume já era
criticado pelos higienistas. Eles diziam que esse hábito era perigoso à saúde.
A presença constante de epidemias na cidade era o resultado da contínua
manipulação dos restos mortais no interior das igrejas. Essa ação produzia mau
cheiro e doenças microbacterianas.
Nem
sempre os cemitérios eram espaços distantes ou destinados aos subúrbios das
cidades. Na Europa do ano 1000 ao século XVIII, a proximidade do espaço dos
vivos e o dos mortos era um traço importante da história das mentalidades e das
sociedades tradicionais. Segundo Jean-Claude Schmitt em Os vivos e os mortos na sociedade medieval, no fim do Antigo
Regime, os cemitérios das cidades foram esvaziados de suas ossadas e exilados
para os subúrbios. Antes era costume ter os vivos em torno dos mortos. Nas
aldeias europeias, no centro ficava a igreja paroquial, depois apertadas ao
redor dela, as sepulturas do cemitério. Schmitt explica que entre o a igreja e
a aldeia, o cemitério é, portanto, um lugar intermediário e desempenha um papel
mediador.
[1]
Termo
definido por Pierre Nora no texto Entre memória e história: a problemática dos
lugares.
[1] Termo citado
por Maurice Halbwachs em A Memória Coletiva.
Referências Bibliográficas
MEDICI,
Ademir. Migração e urbanização: a presença de São Caetano na região do ABC,
Editora Hucitec, São Caetano do Sul, 1993.
NOVAES,
Manoel Cláudio. Nostalgia, Editora Meca, São Paulo, 1991.
RUSSO,
Alexandre Toler. Caminhos da fé: itinerário dos templos religiosos de São
Caetano do Sul, editora Fundação Pró-Memória de São Caetano do Sul, São Caetano
do Sul, 2004.
SCHMITT,
Jean-Claude. Os vivos e os mortos na sociedade medieval, editora Companhia das
Letras, São Paulo, 1999.
*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela
Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito
pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de
Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É
autora de 11 livros, entre eles Abre as portas para os Santos Reis da Editora
Fundação Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores
que benzem com as mãos da editora UCG.
Texto publicado na Revista Raízes 54
Muito legal o texto, estava procurando informações sobre a 'santinha' Neves queria saber de pessoas que foram atendidas por ela, minha avó disse que pediu a ela pra os meus tios pararem de fumar e eles realmente pararam contei pro meu filho e ele quis ir lá pedir pro meu pai largar o vício, esperamos que dê certo!
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