Cleide Séspedes de Pinho
Por: Priscila Gorzoni
Quando Nossa Senhora do Rosário chegou ao Bairro Prosperidade
Foto/ Priscila Gorzoni
Cleide
Séspedes de Pinho, 68 anos, lembra-se até hoje da chegada de Nossa Senhora do
Rosário ao Bairro da Prosperidade. O fato aconteceu em 1950, quando Mário
Rodrigues pediu para o irmão comprar uma Santa em Roma, na Itália que devia ser
benzida pelo Papa Pio XII. “Ela saiu em
novembro 18 de novembro de 1950 de Roma e ficou guardada na casa do seu Silvio
Arnese e de outros moradores até a construção da igreja”, recorda.
Em
1953/54 foi colocada a pedra fundamental do templo e teve início a reunião de documentos necessários para a
construção da igreja. “Algum tempo depois,
no dia 24 de dezembro de 1954, a igreja foi construída e então a Santa foi entronizada
em seu altar. Inclusive eu tenho a nota fiscal comprovando a compra. Mário
Rodrigues me deu essa nota fiscal, pois eu trabalhei no escritório dele com
contabilidade de 1978 até 91. Por isso tenho muito carinho por esse documento”,
conta ela.
Ela
era ainda uma menina quando a Igreja da Prosperidade estava sendo construída. Cleide
lembra-se da mãe, Assunta Paulina Fiorotti Séspedes e do pai, Valter Sespedes
participando ativamente da construção, com tijolos e cimento. “Foi feito um mutirão, eu tinha nove anos e
fazia o marmitex. Meu pai fez a primeira eletricidade da igreja. Seu Natalino
Lepri, João e seu Nelo foram os pedreiros e ajudaram assim. A dona Nélia, a
minha mãe e a dona Laura faziam a comida com outras senhoras e serviam para os
trabalhadores”, lembra.
Naquela
época o Bairro da Prosperidade era muito alegre, festivo e a Santa estava
sempre presente nessas solenidades. “As
festas religiosas no Bairro eram a de Nossa Senhora do Rosário, a festa de
Nossa Senhora de Fátima, onde se fez o primeiro tapete de pétalas da região, na
década de 1960. Nossa Senhora de Fátima veio de Portugal e passou na
prosperidade. Sua procissão passou sobre o tapete confeccionado com flores
coloridas e pó de café”, narra.
Cleide
nasceu em São Caetano do Sul, no Bairro da Fundação, perto das Indústrias
Matarazzo, no dia 26 de junho de 1945, mas como seu pai fazia aniversário no
dia 30, ela foi registrada nesse dia. Os pais são de São Caetano, a mãe nasceu
na Rua Rosa, e o pai no Bairro da Fundação. Assunta sua mãe, trabalhou nas
Indústrias Matarazzo, como contramestre na fiação até casar-se e ter os filhos.
“Ela não trabalhou muito tempo na
Matarazzo, pois casou-se em 1940. Meu pai era eletricista e trabalhava em uma
fábrica que tinha perto dos trilhos da SPR, era uma Mecânica que tinha ali”, relata.
Embora
não trabalhasse, a mãe de Cleide estava sempre envolvida com as atividades da Igreja
na Prosperidade. Ela era catequista e até hoje muitos de seus alunos a encontram
na rua. “Fui batizada no bairro da
Fundação e fiz a minha primeira comunhão na Prosperidade. Também sou filha de
Maria. Desde pequena morei na Prosperidade, mas por causa das enchentes mais
tarde nos mudamos para o bairro Santa Maria, onde moro atualmente”, conta.
Apesar
de ter morado em vários bairros da cidade, Cleide guardou as melhores
lembranças da Prosperidade. Ela conta que sua família só conseguiu comprar uma
casa ali, porque na época os terrenos eram mais baratos. Cleide se lembra muito
bem como era o lugar. “A Prosperidade era
chamada Vila do sapo, porque tinha muito brejo e estava cheio de sapos. Para cimentar
o chão tivemos que pegar cimento de amianto e passar no chão para pisar. Em
1953 tinham poucas casas, era tudo mato. Com três anos ia sozinha na farmácia
tomar injeção. Mas não tinha perigo, e nós morávamos no largo, próximo da
farmácia e todo mundo tomava conta das crianças. Na Prosperidade nós éramos uma
família. Um cuidava dos filhos dos outros. Ninguém sumia. Naquela época não
tinha ônibus, o auto bus só chegou depois trazido por Mário Rodrigues. Esse foi
o primeiro ônibus, e nessa mesma época foi colocada a pedra fundamental da Igreja.
Antes de ter o ônibus nós íamos para a Prosperidade a pé e de bicicleta.
Demorava muito. Nós íamos da Gisela até a Prosperidade a pé, minha mãe ia ver o
tio dela lá e voltávamos a pé. Na Vila Alpina moravam os parentes da minha mãe,
então íamos até a Vila Alpina a pé”, relata.
Cleide tem saudades de sua infância, ela estudou na
primeira escola do Bairro que era de madeira e ficava na Avenida Prosperidade. Eram
três turmas, das 8 às 11 horas, 12 às 14 e das 14 às 17. Ela tinha mais irmãos:
dois homens e três mulheres: Clóvis, Valdir, Cladys, Cleusa e eu. Apenas o mais
velho faleceu. “Nós éramos muito pobres,
todo mundo na prosperidade era. Tínhamos amizade com quatro famílias, então as
mulheres sentavam nas cadeiras à tarde na rua e nós brincávamos na rua de bater
corda, pique, esconde-esconde. Não tínhamos muito sapato, brincávamos descalços,
nós juntávamos e fazíamos brinquedos de caixa de sapato. Meus pais compravam
bonecas de pano e de papelão. A minha infância foi tranquila, eu fiz até a
quarta série, depois só continuava quem tinha dinheiro. Era difícil estudar. Antes
da construção da Igreja, todos se reuniam em casa. Vinha um padre fazer uma
missa. Quando morria alguém não tinha extrema unção, tínhamos o cemitério da
Vila Paula, mas a maioria era enterrada na Vila Linda. Naquela época não tinha
caixão, o defunto ia no carro, solto. O que eu gosto mais de me lembrar é da
infância, nós tínhamos pouco mas éramos felizes. O meu pai me levava para
passear em Santos, tinha o parque Xangai, na Prosperidade. Não tenho o que
falar dos meus pais, minha mãe era mais rígida, meu pai não, quem nos educava
era a minha mãe, meu pai não ia a igreja, mas ele era mais religioso(cristão)
que ela, ele não sabia dizer não”, explica.
Cleide
morou na Prosperidade de 1958 até 82 na Prosperidade. Depois se mudou para
Santa Maria por causa das enchentes. Embora Cleide tenha tido uma boa infância,
sua juventude não foi nada agradável. Ela sofria preconceito e a perseguição
dos colegas da escola, devido a uma deficiência na boca. “Desde pequena eu tive problema na boca e nos dentes. Minha mãe me
colocava dentro de uma caixinha de sapato enrolado em algodão, fui batizada às
presas porque achavam que eu não viveria três dias. Eu não tinha cálcio. A
minha juventude foi diferente da das outras meninas. Não foi fácil, eu sofri
muito. Eu tinha problema na boca, nos dentes, eu nunca podia ir ao baile, porque
sempre tinha que operar a boca ou estava em repouso de alguma operação. As
minhas amigas eram ricas e eu pobre, ia para a escola com as mãos pretas por
causa do carvão. Eu era corcunda, por causa do problema que tinha nos ossos. Mas
eu superei, cuidei dos meus irmãos porque a minha mãe era muito doente”,
relata.
A
mãe de Cleide cozinhava bem, fazia arroz, feijão, sopa de feijão, pão,
salaminho, pão amanhecido. Ela misturava
a comida italiana com a brasileira, mas só cozinhava quando não estava doente. Cleide
começou a cozinhar com nove anos. Mas era durante o Natal que ela e seus irmãos
se divertiam comendo os cróstolis da tia e soda limonada com vinho tinto.
Naquela
época não tinham tantos médicos, por isso era necessário recorrer às
benzedeiras. Ela se lembra das benzedeiras da época, uma delas era Brasilina Lima,
que benzia com o auxilio de um terço. “Ela
era a mãe da prosperidade. Um dia meu
irmão caiu, sarou mas o braço doía e então eu o levei lá, ela benzeu e ele
ficou bom. Ela benzeu a minha irmã a minha mãe teve que conseguir réstia de
cebola e erva de Santa Maria para curar a minha irmã”, diz.
A
família de Cleide não comprava roupas para os filhos, porque tinham pouco
dinheiro. “Nós ganhávamos as roupas das
minhas primas. Os sapatos as vezes vinham pequenos por isso íamos descalças
para a escola”, lembra. Nos tempos da juventude, ela deu aulas de catecismo
e foi dirigente das filhas de Maria. Nessa época usava um vestido branco, fita
e uma faixa azul amarrada na cintura.
Cleide
casou-se em 1985 e conheceu o marido na casa de Dona Brasilina. “Eu trabalhava lá e ele estava se
benzendo. Casei-me com 39 anos e já morava na Santa Maria. Foi uma boa vida,
ele era da roça. Tenho apenas um filho que nasceu em 1986, quando tinha quatro
anos descobrimos que o meu marido estava com leucemia, cuidei dele que faleceu
em 96. Assim que ele morreu a minha mãe teve um AVC, fiquei 10 anos cuidando
dela”, relembra.
Foto/Priscila Gorzoni
Atualmente o filho de Cleide tem 26 anos e é sua única companhia. Ela divide o tempo entre a Liga Católica, da qual faz parte, o curso de cuidadora e as festas na Paróquia São Francisco de Assis. “Viajo com eles, vou às festas da liga, vejo outras pessoas, faço curso de italiano, não fico parada, terminei a escola com 54 anos, quem trabalhou com contabilidade não pode parar”, assegura.
Atualmente o filho de Cleide tem 26 anos e é sua única companhia. Ela divide o tempo entre a Liga Católica, da qual faz parte, o curso de cuidadora e as festas na Paróquia São Francisco de Assis. “Viajo com eles, vou às festas da liga, vejo outras pessoas, faço curso de italiano, não fico parada, terminei a escola com 54 anos, quem trabalhou com contabilidade não pode parar”, assegura.
Cleide se lembra como se fosse hoje da época da
emancipação da Prosperidade. Ela conta que quem levantou essa bandeira foi
Mário Rodrigues, que fazia parte da Sociedade de Amigos e conhecia os
vereadores. “Tudo o que se fez até os
dias atuais se deve a Santo André. Inclusive neste poço artesiano em 1960 uns
dos vigias caiu e morreu, na época a minha mãe ligou no DAE e acharam o homem
morto lá dentro. A minha vizinha dizia que tínhamos tomado água de defunto. Ninguém
sabe até hoje o que aconteceu e o poço foi fechado”, relata.
Outro
problema sério da Prosperidade eram as enchentes, que pegavam toda a parte
baixa da região. As enchentes acabavam com tudo e as pessoas só tinham os
amigos para ajudar. Na opinião de Cleide, os políticos nunca deram atenção ao Bairro
e Cleide até guardou mágoa de alguns deles, que segundo ela prejudicaram a
Prosperidade. “Quem construiu a sede do Vila
e do Jabaquara foi o povo em sistema mutirão”, finaliza.
(ESSE TEXTO NÃO PODE SER COPIADO SEM OS DEVIDOS CRÉDITOS DE AUTORIA, CONFORME A LEGISLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS LEI 9610, de 19 de fevereiro de 1998, "Dos Direitos Morais do Autor", Artigo 24, Inciso II. POR FAVOR, NÃO COPIEM, COMPARTILHEM O LINK. OBRIGADA)
(ESSE TEXTO NÃO PODE SER COPIADO SEM OS DEVIDOS CRÉDITOS DE AUTORIA, CONFORME A LEGISLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS LEI 9610, de 19 de fevereiro de 1998, "Dos Direitos Morais do Autor", Artigo 24, Inciso II. POR FAVOR, NÃO COPIEM, COMPARTILHEM O LINK. OBRIGADA)
*É jornalista, pesquisadora, historiadora. Formada em jornalismo pela
Universidade Metodista, com formação em ciências sociais pela USP e Direito
pelo Mackenzie, tem especialização em Fundamentos e Artes pelo Instituto de
Artes da UNESP de São Paulo e Mestre em história pela PUC de São Paulo. É
autora do livro Abre as portas para os Santos Reis da Editora Fundação
Pró-Memória, Animais nas Batalhas pela editora Matrix e Os benzedores que
benzem com as mãos da editora UCG.
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