Por: Priscila Gorzoni
Essa não é exatamente uma história de assombração, mas não deixa de ser enigmática e misteriosa.
Aconteceu comigo.
Eu sou escultura, costumo fazer máscaras e carrancas em madeira, pedra sabão, concreto celular.
Há muitos anos esculpo e por conta dessa minha atividade paralela a minha profissional costumavam me chamar para esculpir em eventos.
Eu ia, embora não goste de esculpir com platéia.
Mas eu ia, desenvolvi uma estratégia, fingia que não tinha platéia.
Cada artista tem sua forma de ser, alguns gostam de se expor, outros não.
Eu costumo dizer que quem tem que aparecer não sou eu, mas o meu trabalho. Sempre pensei assim.
Mesmo nas exposições que tinham trabalhos meus, eu gostava de ficar anônima. Acho divertido assim.
Bom, mas então fui a essa feira de demonstrações artísticas onde estavam vários outros artistas plásticos, nenhum escultor, na maioria pintores.
Levei o concreto celular que é mais rápido para esculpir e faria uma escultura máscara.
Comecei a esculpir e estava ao meu lado um pintor espírita. Um senhor muito simpático que me viu esculpir e ficou assustado. Ele ficava parado me vendo esculpir.
É normal a escultura costuma chamar a atenção mesmo. As pessoas costumam parar, perguntar. O concreto celular chama muito a atenção.
É um trabalho braçal, pesado, mas que depois vai ficando leve.
Eu não planejo nada, as esculturas surgem do nada, em geral sonho.
Não faço desenhos em papel, desenho no bloco mesmo.
Esculpo direto e isso chama a atenção, porque é um processo meio estranho.
E esse senhor espírita ficou assustado.
Não sei exatamente como é para os outros artistas, mas eu entro em alfa, em outra dimensão quando estou esculpindo. É estranho.
As pessoas que olham estranham. Já me disseram que fico tomada, mas isso é bobagem. O processo artístico é catártico mesmo. A psicologia explica isso.
Quando parei de esculpir um pouco, o senhor se aproximou e me disse algo que nunca me esqueci.
Ele disse que via alguém ao meu lado.
Alguém, um espírito de luz e que eu deveria dar um copo de água para ele todos os dias.
Fiquei assustada, mas ele falou mais.
Sou cética, mas não duvido de nada.
Ele disse que eu fazia máscaras e carrancas africanas porque o espírito que me protegia era um menino negro. E era esse menino que me ajudava a esculpir e que por isso eu esculpia daquela maneira.
Esse menino me protegia sempre.
Engraçado, sou cética, mas sempre me senti protegida realmente.
Fazia sentido.
Eu sou realmente muito envolvida com a cultura africana, jogo capoeira há anos e gosto muita da arte popular brasileira.
Ele me disse que esse menino tinha sede e que eu deveria reservar todos os dias um copo de água para ele.
E que esse menino me acompanhava, me protegia e me guiava em tudo.
E que por isso eu tinha esse espírito meio infantil.
E que ele via naquele momento o menino ao meu lado.
Enquanto eu esculpia, ele via o menino ao meu lado
E ele me olhava esculpir porque viu o menino.
Depois que terminei a escultura, senti um alivio, olhei o trabalho e senti o que sempre sinto sempre, que o trabalho não pertencia a mim.
Talvez aquele senhor tivesse razão.
Nunca mais o vi, mas sei que esse anjo costuma me acompanhar, sinto a sua proteção.
E isso para mim é um alivio.
Fonte: Relatos assombrados de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni
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