Não são nem dez
da manhã e já cheguei na plataforma da estação de trem de São Caetano, que está
cheia. Pessoas com bagagens, famílias grandes, mulheres de idade se espalham
pelos bancos de ferro que lembram as douradas épocas das viagens de trens.
Quando viajar de trem era sinal de riqueza. Na minha infância me lembro da
placa branca que anunciava a estação, hoje substituída por uma tabela marrom
dependurada ao vento. Boa parte das pessoas toma o mesmo rumo que eu, a estação
da Luz, onde milhares de passageiros descem para fazer suas baldeações, compras
ou trabalhar nas fábricas da região desde o século passado. Essa mesma estação
que nasceu no dia 1 de maio de 1883 carrega muitas histórias, narrativas de
meus pais, tios e personagens conhecidos da cidade, uma delas é Assunta de 95 anos que ainda ontem me contava como era a estação.
-Havia duas
porteiras em suas laterais uma de saída e a outra de entrada, para não dar
confusão um guarda ficava ali cuidado da passagem.
O ritmo dos trens
também era outro, aliás como o ritmo de nossa vida. Eles não passavam todas as
horas, mas em horários pré-determinados de acordo com os dias da semana. Mas
ainda assim ele era bem concorrido. Dona Assunta se lembra muito bem dele. Ela
morava na Rua. Amazonas que era cercada por mato e para não se atrasar pegava
uma jardineira até a estação.
-Naquela época
não tinha o perigo. As crianças costumavam brincar dentro das estações de
trens.
Enquanto me
lembro das histórias de Dona Assunta já estou sentada dentro do ´carro` que
parte para a Lapa. Lá vejo um menino carregado de chocolates anunciando o seu
comércio:
-Aproveitem é só
hoje. Leva 10 e paga um real.....
O garoto que
parece aparentar menos de 15 anos é magro e repete várias vezes em altos
brandos a mesma frase. Ao seu lado vem o irmãozinho tentando aprender sua
futura profissão. A mãe sentada observa os dois, um retrato típico e lamentável
do país. Fico imaginando como seriam naquela época as paisagens da janela. Na
certa não seriam como as de hoje, ruínas das fábricas e restos de vagões
abandonados. Do outro lado quase que esbarra no garotinho dos chocolates, vem
um homem gordo com uma sacola nos ombros, ele anuncia o bom preço de suas
revistas de medicina caseira.
-Dois reais cada,
aproveitem. Tem receita para dor de barriga, dor de cabeça e até mau
olhado.....
No passado o trem sempre foi sinônimo de requinte e
romantismo. Segundo Caetano, 80 anos que morou durante toda a sua
infância a 50 metros da estação, ela era linda.
-Inteira de tijolos aparentes, tinha uma leve
semelhança com a Estação da Luz. As plataformas eram amplas e os portões
inicialmente de ferro. O que fazia barulho era quando os trens passavam.
Naquele tempo os trens eram movidos a carvão coqui, que vinha do Chile, mas
durante a Primeira Guerra Mundial o carvão faltou e criou grandes problemas.
Seu Caetano se lembra bem das ferrovias de antigamente e da estação da cidade.
Ele morava bem perto da estação, que era chamada de curva do Matarazzo. A
estação começava na Lapa e ia até depois de Jundiaí, de lá se iniciava a estada
de ferro Paulista e de Campinas saia a Mogiana até Poços de Caldas.
O pai de Seu Caetano era um artesão talentoso, que
montava sapatos manualmente e por isso o garoto precisava ir ao Brás toda a
semana para lhe comprar os materiais.
-Com uma lista escrita a mão eu ia de trem até o
Brás com apenas 9 anos. Eu me sentava em um banco de palha revestido por franja
e só pagava uma vez 300 res pela viagem.
Os trens tocavam um sininho quando chegavam, assim
se anunciavam e preveniam os que estavam nos trilhos. Mesmo assim muita gente
morreu vitimado pelo Expresso, trem especial que ia direto para Santos.
-Nos finais de semana nós íamos passear em Santos,
então tomávamos o trem em Santo André às 6 horas para pegar o Expresso das
6:30. Chegávamos em Santos ás 8 da manhã e ainda éramos brindados por uma
paisagem esplendorosa com imensas plantações de bananas e barcos para a
exportação.
Na ferrovia moravam vários funcionários entre eles
o chefe da estação, que usava um chapéu vermelho. Eles tinham suas casas ao
lado da estação com o tempo isso também mudou. Por outro lado, os trens eram
locais de grandes romances, alguns até acabaram em casamento como no caso dos
meus tios. Fiquei sabendo que eles haviam se conhecido na estação de trem de
São Caetano. Meu tio me contou que pegava sempre o trem no mesmo horário de
minha tia e um dia reparou nela com mais atenção. Passou então a observa-la,
mas demorou um certo tempo para que ela percebesse a sua presença. Então ele
começou a fazer a corte e a conquistou. Hoje o trem de São Caetano já não tem
todo esse glamour, mas continua sendo um dos meios mais econômicos de locomoção
e um retrato real do Brasil. Quando levanto os meus olhos já estou novamente em
São Caetano e como é bom estar em casa novamente pelos trilhos do trem. Lá vai
ele outra vez levar outras histórias, outras memórias....
(ESSE
TEXTO NÃO PODE SER COPIADO SEM OS DEVIDOS CRÉDITOS DE AUTORIA, CONFORME
A LEGISLAÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS LEI 9610, de 19 de fevereiro de 1998,
"Dos Direitos Morais do Autor", Artigo 24, Inciso II. POR FAVOR, NÃO COPIEM, COMPARTILHEM O LINK. OBRIGADA)
Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni
Fonte: O livro das curiosidades de São Caetano do Sul, Priscila Gorzoni
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